quarta-feira, 30 de maio de 2007

Charlie e Lola


Acho que os filhos servem também para isso mesmo… para nos abrirem a pestana e nos ajudarem a ver o mundo de maneira diferente.

A minha mais recente paixão televisiva descobri-a pela mão da minha pequena. Chamam-se “Charlie e Lola” e são a coisa mais enternecedora, inventiva e arrebatadora que possam imaginar. E o melhor de tudo é que dão na 2:. A uma hora proibitiva, mas dão!

Sempre achei que a banda desenhada era muito mais que uma arte menor. Basta lembrar os clássicos modernos, do Astérix ao Tintim, do Lucky Luke ao Corto Maltese para já não falar nos soberbos e dramáticos e mais negros do que nunca Batmans nascidos da pena do genial Frank Miller, para justificar este ponto de vista. Como não falo na saga “Maus” do Art Spiegelman porque aí estaria a ser duro demais.

Em animação para televisão, depois dos míticos Simpsons que consumi de forma sôfrega e religiosa durante dez temporadas e da assombrosamente mordaz South Park, pensava que já nada me surpreenderia.

A primeira vez que ouvi falar nesta famosa dupla britânica foi através de uma banda desenhada comprada algures num Modelo qualquer, a conselho da minha mulher. Parecia que ambas os conheciam mas eu nem por isso e dei uma espreitadela na contracapa que me surpreendeu pelos elogios mais desgarrados por parte da melhor imprensa britânica. Reconheci-lhe um talento imediato, mas nada que me preparasse para a sua prestação no ecrã. Só visto, mesmo.

No episódio de hoje, que nos atrasou inevitavelmente aos dois, sorrindo cúmplices com indisfarçável prazer, descobrimos a Lololândia. O Charlie, o irmãozito mais velho, fazia com um colega os trabalhos de casa sobre Espanha. A curiosidade de Lola levou-a a perguntar muitos porquês e nós todos quantos víamos o episódio, acabámos também por aprender que há diferentes culturas, diferentes países, diferentes povos que vêem o que os rodeia de forma muito diferente da nossa. Num diálogo envolvente que só os que vêem com olhos de criança conseguem realmente entender, deliciamo-nos com a ingenuidade e a perspicácia. Depois da lição aprendida, a Lola e o seu amigo imaginário que aparece a preto e branco por isso mesmo, por ser imaginário, acabaram por extrair a melhor das ilações do que aprenderam e criaram eles próprios um país: a Lololândia. Escolheram uma língua oficial, uma gastronomia muito própria à base exclusiva de bolachas, uma forma muito sui generis de viajar e passaram inclusive a obrigar todos quantos atravessaram a sua fronteira que mais não era que a porta do quarto, a levar um passaporte feito por eles mesmos e uns obrigatórios óculos escuros e chapéu.

Meus amigos, se isto não é genial, vou ali e já venho. É de estalo! E bate de tal forma naquelas cabecitas que ainda não tínhamos desligado a televisão, já a minha gritava que ao serão tínhamos de a ajudar a construir a Leonorlândia. E acho que chega de palavras.

O caminho para a escola foi passado em divagações e variações sobre o tema e embora a língua oficial fosse uma incógnita, o chocolate era já uma certeza como produto gastronómico exclusivo.

O dia não é dia se não for eu a levá-la à escola, nem sei bem explicar porquê. Mas saio sempre com uma certa nostalgia dentro de mim porque aqui para nós que ninguém nos ouve, acho que sempre acalentei um sonho secreto de ser educador de infância ou professor primário ou qualquer coisa em que estivesse sempre no meio de crianças porque é verdadeiramente junto a elas que me sinto mais a gosto. Quando entro ao portão, vêm logo duas ou três cumprimentar-me e ter comigo conversas de criança que sabem que eu gosto também e as quais finto sem ralhar como os outros crescidos. Ou porque uma bateu à outra, ou chamou nomes, ou se vi isto ou aquilo, ou apenas para comentar uma banalidade qualquer.

Hoje assim que entrei no refeitório onde os da Pré se reúnem, houve um que não tem mais que 4 anos e raramente fala e me disse, olhando para o cor-de-rosa da minha camisola e disparou um “essa camisola é de menina”. Desarmado e enquanto respirava para ganhar fôlego para poder responder, fui salvo pelo gongo do colega de lado que introduziu a sua retórica apelidando-o de estúpido e justificando de seguida “ai sim? E então não há meninas que se vestem de azul?”. O primeiro, mais que rendido à evidência, nem ripostou e eu sorri aliviado por na verdade, nem saber o que lhe dizer. O Guilherme que estava um passo atrás, aproveitou a deixa para se meter na contenda, “o meu pai nunca se veste nem de cor-de-rosa nem de azul. O meu pai só sabe é fumar”, disse enquanto sorria para nós.

Acho que ganhei ali o dia. Diálogos desta qualidade, só mesmo no “Charlie e Lola”. Bem sei que as crianças são cruéis, que muitas vezes não medem as coisas e magoam. Mas são autênticas e repentinas e dizem sempre o que lhes vai na alma. E é por isso que as estimo e admiro tanto.

Hoje, por causa do “Charlie e da Lola”, senti que deveria passar a dar ainda mais atenção, de passar ainda mais tempo com a minha filha. Só por isso, já valeu e de que maneira! a descoberta. Já faltam poucas horas para o episódio de amanhã.

2 comentários:

John The Revelator disse...

Nunca vi o “Charlie e Lola”, mas pelo que acabei de ler devem ser geniais. Agora a tirada fulminante deste post é sem duvida a dos putos na escola. “o meu pai nunca se veste nem de cor-de-rosa nem de azul. O meu pai só sabe é fumar” simplesmente mítico. Abraço

Catarina disse...

mas a que horas dá que eu ainda não encontrei?????