Foto daqui
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O trabalho levou-me de volta à cidade, à grande cidade. Por 5 dias estive de novo refém dela.
Eu também sou dos que acham que Lisboa é uma cidade magnífica, uma capital da qual todos nós portugueses nos deveríamos orgulhar. É castiça e autêntica, vaidosa na sua luz tão própria, secular e cheia de história(s), mas também sabe ser moderna e europeia quando quer. Lisboa não se deixa ficar mal. Eu adoro Lisboa mas é quando lá vou sabendo que me venho embora.
Já a deixei há muitos anos, quase 15, mas do muito que mudou, há coisas que permanecem precisamente iguais.
Entro no comboio e olho em volta. A carruagem vai cheia. Uns dormitam, outros fitam o betão pela janela com olhos baços e distantes. Nunca olham uns para os outros. Fazem como se quem viaja ao seu lado não existisse. Desviam o olhar quando algum se cruza com o seu. Levam headphones nos ouvidos por onde parecem receber as ordens que cumprem em movimentos mecânicos. São incapazes de um gesto que revele emoção. Estando lado a lado, conseguem estar a quilómetros de distância. Não falam da bola, do tempo, da família, do que lhes vai na alma. Apenas estão.
Às 8h e 30m da manhã de um dia de semana, a baixa está estranhamente deserta, como se fosse um domingo de há meia dúzia de anos atrás. Parece o cenário de um filme futurista. Estando com tempo, tomo o pequeno-almoço numa esplanada dos restauradores, sem filas nem pressas. Subo a avenida a pé e cruzo-me com dezenas de sem-abrigo que dormitam em frente às montras das lojas de griffe. Uns arrumam os parcos pertences em sacos de plástico, outros esperguiçam-se e caminham até ao jardim como se fossem ver as flores do quintal da casa que não têm, outro ainda esfumaça um cigarro de perna trocada, com a descontracção de quem está na suite presidencial de um Hilton. Um de mais idade pede-me uns trocos para comer e eu lembrei-me num flash de uma das primeiras vezes que visitei Lisboa com os meus pais e da aflição que me causou ver pessoas a pedir na Rua do Carmo por entre a multidão imperturbável. Era duro demais para uma criança de província. Corri para alguns e só parei quando me explicaram que não poderia ajudar todos. Devia ter uns seis anos. Nunca mais me esqueci. Desta vez também não pude ajudar todos, mas este à minha frente sim. Abriu a boca desdentada a custo e pensei que me iria agradecer. Antes perguntou: “que dia da semana é hoje?”.
Se eu vivesse numa cidade haveria de ir sempre ao mesmo café de esquina para que as pessoas me conhecessem e se metessem comigo sempre que o meu clube perdesse.
Se eu vivesse numa cidade, haveria de me sentar sempre no mesmo lugar dos transportes públicos para ver se conseguia meter conversa com o vizinho do lado.
Se eu vivesse numa cidade haveria de desmontá-la e fazê-la pequena para que se parecesse mais com a minha aldeia.
Acho que eles têm razão. Rato do campo não vive em cidade e se for assim, eu tenho orgulho em ser campónio.
As pessoas que vivem numa cidade e querem ser gente de carne e osso têm de ter muita coragem. Têm de ter alma de resistentes. Têm de ser uns heróis.
Eu também sou dos que acham que Lisboa é uma cidade magnífica, uma capital da qual todos nós portugueses nos deveríamos orgulhar. É castiça e autêntica, vaidosa na sua luz tão própria, secular e cheia de história(s), mas também sabe ser moderna e europeia quando quer. Lisboa não se deixa ficar mal. Eu adoro Lisboa mas é quando lá vou sabendo que me venho embora.
Já a deixei há muitos anos, quase 15, mas do muito que mudou, há coisas que permanecem precisamente iguais.
Entro no comboio e olho em volta. A carruagem vai cheia. Uns dormitam, outros fitam o betão pela janela com olhos baços e distantes. Nunca olham uns para os outros. Fazem como se quem viaja ao seu lado não existisse. Desviam o olhar quando algum se cruza com o seu. Levam headphones nos ouvidos por onde parecem receber as ordens que cumprem em movimentos mecânicos. São incapazes de um gesto que revele emoção. Estando lado a lado, conseguem estar a quilómetros de distância. Não falam da bola, do tempo, da família, do que lhes vai na alma. Apenas estão.
Às 8h e 30m da manhã de um dia de semana, a baixa está estranhamente deserta, como se fosse um domingo de há meia dúzia de anos atrás. Parece o cenário de um filme futurista. Estando com tempo, tomo o pequeno-almoço numa esplanada dos restauradores, sem filas nem pressas. Subo a avenida a pé e cruzo-me com dezenas de sem-abrigo que dormitam em frente às montras das lojas de griffe. Uns arrumam os parcos pertences em sacos de plástico, outros esperguiçam-se e caminham até ao jardim como se fossem ver as flores do quintal da casa que não têm, outro ainda esfumaça um cigarro de perna trocada, com a descontracção de quem está na suite presidencial de um Hilton. Um de mais idade pede-me uns trocos para comer e eu lembrei-me num flash de uma das primeiras vezes que visitei Lisboa com os meus pais e da aflição que me causou ver pessoas a pedir na Rua do Carmo por entre a multidão imperturbável. Era duro demais para uma criança de província. Corri para alguns e só parei quando me explicaram que não poderia ajudar todos. Devia ter uns seis anos. Nunca mais me esqueci. Desta vez também não pude ajudar todos, mas este à minha frente sim. Abriu a boca desdentada a custo e pensei que me iria agradecer. Antes perguntou: “que dia da semana é hoje?”.
Se eu vivesse numa cidade haveria de ir sempre ao mesmo café de esquina para que as pessoas me conhecessem e se metessem comigo sempre que o meu clube perdesse.
Se eu vivesse numa cidade, haveria de me sentar sempre no mesmo lugar dos transportes públicos para ver se conseguia meter conversa com o vizinho do lado.
Se eu vivesse numa cidade haveria de desmontá-la e fazê-la pequena para que se parecesse mais com a minha aldeia.
Acho que eles têm razão. Rato do campo não vive em cidade e se for assim, eu tenho orgulho em ser campónio.
As pessoas que vivem numa cidade e querem ser gente de carne e osso têm de ter muita coragem. Têm de ter alma de resistentes. Têm de ser uns heróis.
4 comentários:
Pedro, este post é um daqueles que me faz ficar impressionado como sua capacidade de nos por na narrativa. Parece que eu estava lá com você. Parabéns, essa qualidade é para poucos.
Um grande abraço aqui do Piauí.
É um relato das relações sociais, numa grande cidade, muito realista, infelizmente.
Não vivendo em Lisboa, não moro longe e vejo que não é preciso viver numa grande cidade para que as pessoas vivam assim, tal como descreve, tão bem, neste post. Fico irritada, quando nem aos meus "bons dias" respondem.
Por isso eu digo, as crianças que têm o privilégio de viver fora dos grandes centros urbanos, são, de certeza, muito mais ricas de afectos entre vizinhos.
Um abraço
Pedro por falares aqui da tua aldeia, soube o que está acontecer na escola da tua aldeia, o agrupamento por favor façam alguma coisa população não deixei que levem tudo daí.Pais dos alunos não fiquei parados.
como eu te entendo Pedro...
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