segunda-feira, 9 de abril de 2018

Sobre o (triste) fado do (João) Sobreiro

Música de fundo do texto... (para ir tocando enquanto se lê)

Com os teus Amigos de sempre: o Sr. Sabino, o Sr. Duarte de Almeida, e o Sr. Pereira (o único sobrevivo), também. 
Pose triunfal, após jantar, de cigarrilha... (a tirar as medidas ao fotógrafo. Como que a perguntar: "tu aí, ãh... Estou nice?")


Por muitos anos que viva, este dia 4 de Abril, aquele a que chegaste a este mundo, há—de ser sempre teu, em memória, em saudade. Imensa, infinita, muito maior que enorme... sufocante.

Cumpririas 73. Uma idade tão jovem, tão aceitável, tão dentro da esperança média de vida. Uma idade excelente para uma suecada com os teus amigos, como tanto gostavas; para jogadores uma matraquilhada, como adoravas; para leres o jornal, como sempre fazias; para as palavras cruzadas, onde eras craque. Isto para não falar nas altas guitarradas, e fadistagens, nas noites boémias, onde sempre brilhavas. O Sobreiro, o dos tiques, o dos bigodes, o sempre bem disposto.

Hoje seria um belíssimo dia para te prestar homenagem, para irmos jantar fora, onde tu comerias um bife com ovo estrelado a cavalo, numa caçarola de barro, como fazias tanta vez.

Em Valência de Alcântara, Espanha, onde nasceste, quando o teu pai, meu avô Leopoldo Sobreiro, era Chefe da Estação dos comboios, cargo que acumulava com Chefe de Estação do nosso lado português, da Beirã.

Serei mau filho, reconheço, porque nunca alinhei por completo contigo, como soube fazer o nosso Miguel. Pensei sempre pela minha cabeça, fui sempre do contra, e isso muitas vezes significa era ir contra aquilo, que me dizias que deveria fazer. Escolhi o Benfica, quando o mais fácil era ser lagarto contigo. O Miguel não só é Sporting, como fez os filhos sócios. Percebes o que digo?

Não sei se é por isso, mas a tua morte ainda é difícil de aceitar, para mim. Foi uma tragédia total, porque nessa altura, há 24 anos atrás, não havia por aqui bombeiros que te tivessem podido socorrer na indisposição matinal. Não haviam desfibrilhadores, não havia VMER, não havia ajuda.

Mas tu próprio não te quiseste ajudar a ti mesmo, Pai. Como não quiseste ir à um médico que te tivesse podido ajudar, nos sucessivos episódios ameaçadores, como uma vez na Póvoa e Meadas, quando tínhamos ido passear o fim de semana a Idanha—a—Nova.

E isso porque, creio eu, não queiras abandonar de todo, o teu tabagismo frenético (2, poderiam chegar a ser 3 maços/dia?), e o teu hábito do copo. Um médico poderia melhorar, mas deitaria por terra, o teu estilo de vida bon—vivant, que era a tua forma elegante de te afastares das agruras, que te deixaram no desemprego, a ti, e à tua companheira; quando os filhos mais precisavam de ti.

Tu sabias estar. Um nível... que sei que nunca terei. Adaptação imediata ao público onde estavas integrado (fosse num sarau cultural, ou num serão brejeiro de taberna); piada fácil, trato envolvente, jeito único.

De braço dado, com as manas Jararacas, que sempre adoraste e te adoravam a ti.
Cali, a solteira, e Maria, como que a segunda mãe. Quando se casou com o meu tio Lazarinho, correste furibundo atrás do comboio: "LADRÃO! LADRÃO!!! QUE ME LEVAS A MINHA MANA..." 

Deitado na cama cedo, quando assim calhava, sempre a leres (um Konsalik, ou um qualquer livro sobre guerra), e a ouvires os discos pedidos da Rádio Clube de Monsanto.

Ainda não consigo aceitar a tua partida, creio que por isto. Porque o motor berrou, e tu nada fizeste para o estimar, quando tanto te aconselhavam. Desculpo—te mais porque nunca pensaste que pudesse ter sido assim, de vez.

Qual Beatle, que adoravas, veneravas, e tanto tocaste, de fato e gravata preta. Sem bigode.
A caligrafia do titular: perfeita, como era a tua.

A minha vida nunca mais foi a mesma, e só eu sei o tanto que passei, e à tanta ajuda que tive de pedir, para me conseguir reorganizar. A mãe Alzira Sobreiro... tinha a minha idade agora, então. Desempregada, com dois filhos a seu cargo, teve de ser uma Super Mulher, para conseguir trazer tudo ao bom porto, onde graças a Deus estamos.

Vejo as tuas netas (as meninas, da minha parte), e os teus netos (os mancebos algarvios do Miguel), e sinto, para além de uma alegria e uma gratidão enorme, um aura de desgosto latente, por saber que nunca os conhecerás, e eles nunca poderão desfrutar de ti.

A vida sem o João Sobreiro, nunca mais foi a mesma. A minha, também. Sem o Homem que mais me influenciou, tento, fazendo os meus exames de consciência, e as minhas análises, manter—me fiel ao que aprendi de ti. Ao final de cada dia, espero, pela análise do teu prisma, concluir que procedi bem.


Serei sempre o teu Pedro. (E continuo a procurar as cartas que me escreveste, quando estava na faculdade em Lisboa, e me trancada na casa de banho a ler, para poder chorar de saudades, à vontade.) Sei que estão guardadas. Tão bem, que não as consigo encontrar... Mesmo à Pedro, não é? Fica em paz, meu Cometa Negro que ainda hoje, embargas a voz aos amigos, quando querem falar de ti.

Meu ídolo, meu modelo, Fica bem, e pede por nós. Até um dia… (que ambos queremos longínquo, meu João Sobreiro) <3

Sempre jammin'... Aqui, no ultramar.
Numa imagem de marca: guitarra ao colo, cigarro na orelha...
Até sempre, pai!

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