Ao final do dia, após o jantar, quando
me sento no sofá à lareira, com a família, no quentinho do lar, assistimos, graças
às gravações automáticas, às notícias de cá, e do mundo inteiro. Esta tragédia absolutamente
tenebrosa que se assiste na fronteira entre a Bielorrússia e a Polónia, tem
sido a minha última assombração.
O que se passa ali na realidade, e não é explicado às pessoas com detalhe (ai a falta que fazia um bom programa de informação semanal, que abordasse os três ou quatro assuntos mais importantes da cá, e de lá fonteiras, à imagem do saudoso “Informe Semanal” da TVE), é que o nosso continente europeu é para muitos hoje um “El Dorado”, um território sonhado, onde impera a democracia e a justiça, a liberdade de oportunidades, onde qualquer um pode almejar a ser feliz. Ora estes objetivos são tão procurados, que os desgraçados que tiveram a infelicidade de ter nascido num continente mais pobre, num país dominado por um tirano, onde não tenham acesso a trabalho, comida, higiene, condições de saúde, um sistema médico que os apoie e salve, sejam capazes de fazer tudo, incluindo enfiarem-se numa embarcação sobrelotada no escuro da noite, para fugirem à polícia natal que não os quer deixar “fugir”, e às autoridades dos que tampouco os querem receber, muitas das vezes, para darem à costa já cadáveres, e ajudarem tragicamente, a batizar o mar mediterrâneo que nos separa do continente africano, como o maior cemitério dos nossos dias.
Alexandre Lukashenko, o presidente da Bielorrússisa que foi reeleito para o seu sexto, SEXTO (!!!!) mandato (estão a ver a saúde da “coisa”, não estão?) com 80% dos votos, tem sido carinhosamente apelidado como "o último ditador da Europa", e tem recebido o apoio sempre entusiasmante do presidente russo, ex-KGB (serviço secreto da USSR) Vladimir Putin. Pois o que tem sido é uma pedra no sapato da União Europeia praticamente desde que foi eleito pela primeira vez, em 1994, tendo uma das suas últimas patifarias sido esta, em que desviou um avião para a efetuar a detenção do jornalista e ativista Roman Protasevich, em Minsk, numa operação dos serviços de segurança bielorrussos. Segundo testemunhas, Protasevich expressou medo de ser executado na Bielorrússia. Pudera!
https://observador.pt/2021/05/23/bielorrussia-oposicao-acusa-lukashenko-de-desviar-aviao-para-deter-um-jornalista-que-enfrenta-pena-de-morte/ |
Pois este sujeito é
de tal calibre que é mestre em promulgar leis de segurança nacional que alargam
os poderes da polícia, bem como de outras forças estatais, que podem utilizar
armas militares para reprimir a desordem. E que desordem será essa, pois
então, perguntam vocêses todes? Pois qualquer uma que seja ou contra o senhor,
ou contra a vontade do mesmo. Natural neste ambiente, não?
Esta tensão entre a fronteira da
Polónia, que pertence à União Europeia, e a da Bielorrússia, ex-país da USSR, e
fim da linha com o resto do mundo, reside em que esta tem conseguido atrair as
rotas emigratórias, e os cidadãos do Iraque, Afeganistão, Síria
e outros países para suas respetivas fronteiras, mais para desestabilizar a EU, que
outra coisa qualquer.
Segundo um comunicado de imprensa da Comissão
Europeia, de 24 de junho último, o Conselho introduziu novas
medidas restritivas contra o regime bielorrusso para dar
resposta à escalada das graves violações dos direitos humanos na Bielorrússia, e
à violenta repressão da sociedade civil, da oposição democrática e dos
jornalistas, bem como à aterragem forçada de um voo da Ryanair em Minsk, em 23
de maio de 2021, e à detenção conexa do jornalista Raman Pratasevich e de Sofia
Sapega.
As novas sanções económicas específicas incluem a proibição da venda, fornecimento, transferência ou exportação, por via direta ou indireta, a qualquer pessoa na Bielorrússia, de equipamento, tecnologia ou software destinados principalmente à vigilância ou interceção de comunicações telefónicas ou pela Internet, assim como de bens de dupla utilização ou de tecnologias para uso militar, e visam determinadas pessoas, entidades ou organismos na Bielorrússia. São impostas restrições comerciais relativas aos produtos petrolíferos, ao cloreto de potássio ("potassa") e às mercadorias utilizadas para a produção ou fabrico de produtos do tabaco. Além disso, é limitado o acesso aos mercados de capitais da UE e é proibida a prestação de serviços de seguro e resseguro ao governo bielorrusso e aos organismos e agências públicos bielorrussos. Por último, o Banco Europeu de Investimento cessará qualquer desembolso ou pagamento ao abrigo de quaisquer acordos relativos a projetos no setor público e de quaisquer contratos de serviços de assistência técnica existentes. Os Estados-Membros deverão também ser obrigados a tomar medidas para limitar a participação de bancos multilaterais de desenvolvimento dos quais sejam membros em atividade na Bielorrússia.
Como retaliação, Lukaschenko, garantiu na semana passada que
irá responder a novas sanções europeias relacionadas com a crise migratória na
sua fronteira com a Polónia, cuja responsabilidade é atribuída por Bruxelas, a
Minsk: "Estamos
a aquecer a Europa e eles estão a ameaçar fechar a fronteira. E se cortarmos o
gás natural que vai para lá? Aconselho os líderes polacos, lituanos e outros
sem cérebro a pensar antes de falar".
Neste complicado jogo de diplomacias políticas bem intrigadas, em nenhum está, na verdade, isento de culpas, é bem fácil de ver, e perceber, quem está a agir com as piores intenções.
Cansados de lidar com esta pressão cada vez mais desgastante, a Polónia já anunciou há dias que está a equacionar construir um muro na fronteira com Bielorrússia, que vai custar cerca 353 milhões de euros e deve abranger 180 quilómetros, cerca de metade do comprimento total da fronteira entre a Polónia e a Bielorrússia. Enquanto a humanidade se deveria esforçar por estreitar laços e unir esforços, a segregação continua a fazer-se sentir, de forma cada vez mais incisiva, e em locais cada vez frequentes, nas zonas limítrofes.
Afinal não são animais, não são cães, não são seres inferiores a nós, não racionais, que não pensam, não sentem, que não contam. Falo de seres iguais a nós, nossos irmãos, descendentes de um antepassado comum, cuja inteligência, caso fosse potenciada, desenvolvida, poderia chegar sabe-se lá onde. O mais certo é caírem, e morrerem gelados, roxos, envolvidos no manto frio da noite.
Entretanto, nas nossas sociedades evoluídas, nos nossos ambientes faustosos, onde não falta todo o conforto no lar, a sempre quente comida sobre a mesa, as roupas aconchegantes, a riqueza da segurança pública e dos hospitais, vamos a continuar a assistir pela TV, como à nossa “porta” batem milhares de mulheres e sobretudo crianças, canalizados pelas rotas de tráfico de seres humanos, que passam semanas a fio na floresta, cheios de frio, de pézinhos nús na neve, sempre rodeados pelos lobos famintos, até que muitos, e um já seria demais!, morram de hipotermia. Isto dói, porra!
2 comentários:
Davas um bom correspondente regional do Alentejo na CNN Portugal...
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