De parceirada, na janela da casa da avózinha... <3 |
E
prontos, cá estou eu, a cristalizar no papel, um texto que ando a escrever na cabeça há 28 anos, desde 3 de junho de 1994, mais precisamente.
Muitas
vezes quando estou parado, a pensar, parece aos outros, que em nada, com ar
abstrato e perdido, ando mergulhado nestes pensamentos que são só meus,
não por egoísmo, mas porque estão em construção, e ocupam grande parte do meu
viver.
Desde
aquele então, desde aquela fatídica manhã de calor, quando estava em Armação de
Pêra (aquela que sempre foi a nossa praia, porque causa de ser aquela de onde o
Tio Gomes, teu cunhado, era natural), quando subitamente faleceste tu, meu pai,
o que queria mesmo era saber como é que tu, com precisamente a mesma idade que
tenho hoje, te sentirias perante ti mesmo, a vida, os outros; não quando estavas
a sentir o aperto colossal, de muitas toneladas no peito, como relatam os
depoimentos médicos habituais em geral, mas se estivesses fora dessa situação,
se estivesses bem.
Há
medida que os anos se iam aproximando deste momento, eu ia-me apercebendo que
apesar de todos sempre sabermos que 49 anos é uma idade muito horrorosamente jovem para se
partir… tu eras mesmo muito novo!
Quando
eu nasci, tinhas 28, apenas, mas já carregavas em cima dos ombros, uma vida de
mais do dobro, com a juventude rebelde e musical de Castelo Branco, na tarola
dos Cometas Negros, e com uma guerra colonial em Moçambique às costas, a qual nunca chegaste a compreender, e da qual nunca falavas, mas que te fazia acordar
em sobressalto, e em lágrimas, muitas noites, sempre a carregando contigo, por
ser um fardo duro demais de injustiças e horrores.
Ai,
João Sobreiro... sempre usaste bigode, o que te fazia mais velho, e te dava um ar
mais pesado. Sempre te vi assim, como pai, como mais velho, com respeito e de
certa forma, inalcançável. A grande conclusão era que se quando partiste,
olhavas para a montanha da vida, do mesmo ponto que eu a vejo hoje… eras um
puto apenas! (que é como eu sinto que sou!)
Eu
posso ter… aquilo que mais me orgulho até hoje: ter gerado e ajudado a criar
duas filhas que amo mais que a vida (porque a daria por elas no instante
seguinte, sem pestanejar), posso ter criado um lar, posso ter feito a história
de vida com a Mulher de Sempre, desde os 15 (?!? na 1ª vez?, com diversos
interregnos, mas sempre ligados), posso ter construído a vivenda dos meus
sonhos, posso ter lutado por arranjar um emprego condigno, seguro, do Estado, que
considero não mal remunerado, apesar de ser fora daquilo que era a minha
formação académica; posso ter sido o vice-presidente do meu concelho, posso
tudo isto mas… sou um puto! As diferenças entre aquele Pedro que teimava em andar
de calções de banho na rua, quando montava a sua bicicleta BMX na Beirã, no
Verão, e este que escreve aqui agora… não são muitas! São, se calhar, nenhumas!
É
certo que posso ter em mim, todas as limitações da sociedade, posso ter
assimilado os papéis condignos, embora de vez em quando resvale para alguma
rebeldia adolescente que persiste em continuar viva, mas percebo cada vez mais
porque é que o Peter Pan, do escocês James Barrie, a história do menino que
nunca quis ser grande e crescer, é, para além de ser o meu livro de vida, capaz
de ser mesmo a minha.
Tento
sempre ajudar os outros e ser irmão (seja de quem for, seja um pobre desgraçado,
um renegado, um leproso, desde que me mereça a confiança), combato as
injustiças (custe-me o preço que custar), não tenho limites e sou irreverente
(por achar que sou sempre capaz de chegar, mesmo onde me dizem que não), digo
tudo aquilo que tenho a dizer, seja a quem for, sem medos de consequências;
sou humilde (porque sei que por muito que tenha, nada é meu e nada tenho;
porque a vida nesta terra, que não somos dela, é uma passagem e um fogacho),
entrego-me sempre à primeira, e sou leal
a quem me quer; sou Amor, que é o sentimento mais forte e mais bonito nesta
terra.
O
meu pai nunca me bateu, o que não posso dizer de um apontamento ou outro da
minha mãe, mas que foram sempre merecidos e só me fizeram bem!
Sei
reconhecer que não foi um pai perfeito, e ele também se sabia assim. Apesar de
sempre zelar pelo nosso bem estar e tudo fazer por nós, teve sempre consciência
que a sua vida, era a sua vida, a sua oportunidade de viver, e aproveitou-a da
melhor maneira que a ele lhe pareceu. Apesar disso, teve um efeito em mim que
foi a pessoa que mais me impactou, moldou e mais gostei de conhecer (perdoa-me
mãe. Sei que tu também foste assim!), ao ponto da minha vida nunca mais ter sido
a mesma.
O
meu pai desapareceu numa manhã em que se sentiu mal, com um forte aperto
no peito, e por isso não pôde ir levar o meu irmão, de então 14 anos, à escola de
Santo António onde estudava, a 4 quilómetros de distância, que foi conduzido
pela minha mãe, que… quando regressou… ele já não estava, ou tinha acabado de
partir.
Naquele
então, não existiam Bombeiros Voluntários de Marvão, os de Castelo de Vide
ficavam muito distantes, e o Hospital de Portalegre parecia quase à distância
de Lisboa. Houve uma enorme negligência de todos nós, por todos os sintomas que
vinha revelando nos últimos meses, muita submissão à sua vontade em fugir dos
médicos e à medicina em geral, por estar certo que lhe iriam cortar com aquilo
que eram os seus hábitos favoritos de toda vida, que fazia questão em manter,
custasse o que custasse.
O
seu desaparecimento foi, para ele, um momento. Terrível e certamente
extremamente doloroso e aterrador, mas que aconteceu de uma vez, só,
derradeira, fulcral, determinante.
Não
se viu, nem o vimos… definhar numa cama de hospital, a ser comido por uma
doença ruim, desgastante, cruel, avassaladora em dias que pareceriam meses,
anos, décadas; nem se viu, nem o vimos ficar apanhado por uma trombose qualquer,
diminuído, aprisionado de um corpo cujos membros já não lhe obedeciam aos
movimentos que queria fazer.
Deixou
foi uma mulher viúva com 43 anos naquela data, e dois filhos, um de 20 anos,
outro de 14; um a estudar na faculdade em Lisboa, o outro, aqui, como contei; e nós nunca
mais fomos os mesmos. Eu, recém licenciado em Comunicação Social, não me senti
com capacidade, nem background (até com direito de pedir o financeiro) para
andar por Lisboa à procura de emprego, com as televisões privadas a rebentarem,
mas com a família desfeita por aqui; e o Miguel, que era o seu grande
companheiro de sempre, ainda estava a aprender a ser gente, quanto mais.
Mas
o João Sobreiro… foda-se!!!!, o João Sobreiro tinha um nível (sempre sabendo
até onde poderia ir, e quando deveria parar), uma classe (que o permitia saber
estar tanto com a alta, como com o pastor mais modesto, analfabeto), uma
cultura (sempre a ler, sempre com as palavras cruzadas que acabava de forma
exímia, deixando-me boquiaberto), uma alegria de viver (sempre bem disposto,
sempre de viola às costas, sempre a fazer a festa onde quer que entrava), tinha
um amor por nós (mulher, filhos, mãe, irmãs, sobrinhos, primos), e por tantos,
tantos amigos do emprego, daquilo em que se metia como os escuteiros, as
caçadas, as ramboiadas, os tempos de Castelo Branco (onde ainda é lembrado com
tanta saudade), que é recordado ainda hoje! por Homens que vão às lágrimas, por
se recordarem de tempos que já não voltam, e pelos belos momentos que passaram
juntos.
O
João fez aquilo que é mais importante: deixou marca! Bateu fundo em quem com
ele contatou. Deixou o mundo diferente do que encontrou!
Hoje
teria 77 anos, e… tanta gente que é feliz, se sente bem, e faz feliz os que
estão à sua volta com essa idade. Tantas coisas que poderiam ser ainda feitas…
A
sua irmã, Cremilde, ainda cá está, Graças a Deus, na Santa Casa da Misericórdia
de Marvão, com 91 anos, embora a demência do Alzheimer, já a tenha levado há
muito, e apenas restar um corpo muito débil, um escombro que nós muito amamos,
e persistimos em continuar a visitar, e amar, como um monumento ainda vivo que
tanto amamos.
Aqui
chegado, pois, a constatação maior e a certeza é que o tempo, o tempo, é o bem
mais precioso que temos na vida, e ai daquele que não o souber bem aproveitar!
Mal nos damos conta… já foi!!!
Peço
a Deus que te tenha em descanso, e se acredito nessa entidade máxima, não
acredito que haja céus, ou infernos, mas antes outras vidas, outras dimensões
que decorrem desta. Aspiro piamente, a que chegado o momento em que tenhamos de
“subir de nível”, muitas coisas nos sejam explicadas, e palavra de honra que
gostava mesmo de te voltar a encontrar! Adoraria poder dar-te um abraço dos
nossos, daqueles que me davas quando sabias das boas notas que tinha tido, e
ficávamos ali assim abraçados, colados um, ao outro, assim bem apertados, até sentir
os ossos e me começar a faltar o ar.
Vai
por ti, meu velho!
Saudades!!!
As saudades que eu tenho de falar e tu me ouvires...(quando ainda nem sequer televisão tínhamos), |
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