Ouvi comentar entre os presentes que alguém tinha morrido, mas como estava ao serviço, precisamente a recolher as informações do óbito de uma pessoa de idade, concentrado nos dados a recolher, e nas informações em causa, não prestei atenção. Notei alguma incredulidade, algum espanto nos intervenientes. Falavam que estava… assim, que o tinham encontrado…, que agora vão ter que…, mas não me fixei.
Quando saí, à tarde, alguém, no
café Pinadas, comentou que “sabes quem morreu? O Jakim!”
O JAKIM?!?! OOOooooohhhh… Como
tal?!?!?
O Jakim, como eu, e a gente que o
conhecia sabia, era tão novo e parecia estar tão bem….
Realmente, para se morrer, como
eles costumam dizer, basta estar vivo. É um ar que se dá, e prontos! Está tudo
arrumado!
Fiquei mal com aquilo, ópá!
Acordei de noite, a pensar que
tinha que escrever alguma coisa sobre ele, e sobre isto.
Não sei se quem me lê era cliente
habitual deste meu lugar, mas a verdade é que com a falta de tempo cada vez
maior, a oferta multimédia cada vez maior, o crescimento do aumento de formas
de darmos azo ao nosso sentir, e até… por alguma preguiça e comodismo, passo
por aqui menos vezes, quase só quando acontecem coisas que me puxam mesmo a
atenção e o sentir, assuntos que merecem outra solenidade.
O Jakim, era o Joaquim… cujo
apelido acho que ninguém sabe, a não ser as pessoas que se relacionavam com ele
por motivos de trabalho, ou outra necessidade do seu dia a dia.
O Joaquim tinha o mal de ser
alguém que sempre foi o irmão do Mané Bodes, esse sim, uma figura mesmo, mesmo,
muito popular em Santo António das Areias, na Ranginha, nos Cabeçudos, nos
Barretos, na Beirã, em Marvão, em toda esta parte norte do concelho, onde
passou a vida a deambular sempre na esperança da boa caridade das pessoas que sempre
muito o estimaram, pelo seu atraso mais que evidente, pela sua boa vontade,
pela sua forma cómica de se expressar, pelo seu jeito natural tão engraçado.
Quem é que não conhece um, ou outo episódio mesmo engraçado com ele?
O Joaquim… era sempre o “irmão do…”.
Uns anos mais novo que o famoso irmão, estava sempre bem disposto, coitado,
sempre a rir, sempre bem. O Joaquim tinha uma forma diferente da do mano, mas
também ela muito cómica de falar porque… mal se percebia! Ria-se e
expressava-se ao falar connosco, mas acabávamos todos a rir-nos sempre, sem percebermos
muito bem o que era.
O Jakim andou muito tempo assim
também sem pouso que se soubesse certo. Nem sempre muito tratado, nem sempre
muito asseado, andava por aí, onde calhasse. Nos últimos anos, a sua vida deu
uma grande volta porque passou a trabalhar para a Freguesia de Santo António
das Areias, e começou a comer através da Casa do Povo da terra. Começou a andar
com o seu dinheirinho no bolso, andava a trabalhar enquanto passeava a conduzir
o dumper (viatura motorizada de 4 rodas, com uma pá de apoio para carregar
materiais diversos), com o ar mais satisfeito e realizado do mundo. Dava gosto,
caraças!!!! Passou a ir buscar as suas refeições sempre antes das horas destas
à Casa do Povo, e era um regalo vê-lo ir com a sua cestinha para a trazer cheia.
- Então, Jakim!!! Já lá vais com
ele, não?!? Dá para mais um?
E ele balbuciava, a rir, qualquer
coisa absolutamente impercetível.
Eu ria-me, e ele também, e lá
seguia em direção a casa, um quartinho que tinha conseguido junto à igreja,
nesta sua nova vida.
O Jakim gostava muito dum tintinho.
Às vezes, quando a carregava a mula, seguia assim muito pé ante pé, para não
dar bandeira. Era muito engraçado, quando ia assim. De vez em quando, bebia
sumo.
- SUMO, JAKIM?!?!? Andás-te-te a
portar mal, outra vez, não?!?!?!
Ele justificava-se com uma
explicação… claro que impercetível!, a rir.
“Foi o Senhor Doutor?!?”
E ele ria-se, enquanto contava as
moedinhas… para pagar.
Tenho tanta pena dele, o pobre.
Coitado.
Sei que infelizmente há muitos
assim, mas eu, este, conhecia-o. O Jakim, nem livro, nem filho, nem árvore.
Bem, árvore talvez tenha plantado alguma, e certamente fê-lo na junta, mas foi
um saco vazio que bailou ao sabor do vento, talvez há 50 e muitos anos, que eu
não sei quantos tinha, mas por certo seria muito mais velho que eu.
Já me informei, e sei que tem
mais familiares, bem inseridos na nossa vida. A mãe, que deve estar muito
velhinha, também era de relacionamento difícil; mas já soube que tem uma irmã
na Ranginha, que não estou a associar; uma irmã que já não vejo há muito; um
irmão, a viver lá longe; e o Manuel, que passa os dias na APPACDM, junto à
minha casa.
Não acompanharei o seu corpo ao
cemitério, porque ele já não está lá, porque tudo o que se faz, deve ser feito
em vida, e não depois de se partir; porque essa é uma cerimónia muito íntima,
que não deveria ter assistência para lá dos portões daquele local; mas farei
questão de passar pela câmara ardente, rezar, e pedir por ele.
Não sei como é que será aquilo a
seguir, nem quero saber para já (a haver, haverá toda a eternidade para se descobrir), mas se
houvesse alguma coisa, como tenho fé que haja, gostaria que o nosso amigo
Francês, que também gostava tanto dele, e se riu tanto com ele, e comigo, o
orientasse.
Tenho muita curiosidade para saber
o resultado da autópsia. Que será que terá acontecido?
Como passa tudo tão depressa,
Deus…
Que descanse em paz…
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