domingo, 26 de outubro de 2008

My Way (musicando uma vida)

Há dias, no blogue da Marisa, soube do desafio que um amiga lhe fez para encontrar as 7 músicas da sua vida e isto não me tem saído da cabeça, como os jingles dos filmes publicitários que nos hipnotizam, se colam aos nossos ouvidos e nos perseguem de noite e dia.

Quase sem perceber, fiz o desafio como se fosse meu e tenho pensado que músicas, que bandas, que sons são esses que têm marcado a minha vida e… cheguei a um consenso interno, quase impossível de tão difícil. Há tantas músicas, tantas recordações que ficaram de lado que é quase doloroso repensar o alinhamento.

É importante clarificar o conceito e dizer que esta não é a lista das minhas bandas, canções ou vídeos favoritos. Esta é antes a lista das músicas que me remetem de imediato para um determinado momento da minha vida. São verdadeiras máquinas do tempo que aos primeiros acordes despertam automaticamente uma parte da minha memória.

Sendo 7 (e que bom que era se pudessem ser 10 ou 20 ou 30), dividi a minha própria existência nesses períodos e deles saquei a banda sonora chave.

Eu sei que isto pode não servir de nada a muita gente ou se calhar a ninguém, mas a mim deu-me um gozo do caraças. E assim sendo, cá vai:

Infância (0-10 anos)

Banda - The Beatles
Disco - Let It Be (1970)
Música – Get Back

Os meus pais tinham um Renault 5 branco com um leitor de cassetes junto do qual me habitei a ver uma caixa preta com a cara de 4 gadelhudos bem dispostos que pareciam gostar muito do que faziam. Recordo-me que ainda não andava na escola e adorava ficar ali a ouvir aquelas melodias, aquele casamento perfeito entre vozes, ritmos e guitarras. De tanto rodar, até quase à exaustão, acabei por memorizar as letras que desfiava no meu inglês macarrónico, feito só de sons que imitava. Depois deles, nada seria igual.

Os Beatles eram e são definitivamente, os maiores.

Adoro o vídeo, a ideia do concerto final no telhado da editora Apple, a pose, o look, os casacos de peles, o amplificador que não funciona, os dedos gelados do Lennon, o impermeável do Ringo Starr, o fim de tudo. Mal sabia eu que este “Get Back”, também o último tema do último disco de estúdio, haveria de ser premonitório do meu percurso… “getting back to where I once belonged”.




Ciclo (11-15 anos)

Banda - Guns’n’Roses
Disco – Appetite for Destruction (1987)
Música – Sweet Child O’ Mine


No final dos anos do ciclo, com catorzes e quinzes, a malta começou a ter pêlos na fronha, a esbajear umas cigarradas, a olhar para as miúdas com outros olhos e a curtir outro tipo de sons. Eu, o meu amigo Bananitas e o Bitche da Póvoa andávamos numa de hard rock e consumíamos muito AC/DC, muito Xutos e Pontapés (na altura do 88) e os Guns saíram-nos em cheio. Bebendo de uma linhagem dourada do rock e de nomes como Led Zeppelin ou Black Sabbath, os Guns souberam fazer a leitura dos seus tempos e abrir um capítulo à parte. O disco de estreia é todo maravilhoso e está cheio de hinos intemporais como “Welcome to the Jungle”, “It’s so Easy” (when everybody is tryin’ to please me), “Mr. Browstone”, “Paradise City” e este fabuloso “Sweet Child O’ Mine”.

Adoro o vídeo e adoro a pandilha original que nesta altura ainda estava toda reunida: o indomável Axel Rose, o virtuoso Slash, o estiloso Izzy Stradlyn, o Duff Mckagan e o Steven Adler, ainda antes de ser empurrado borda fora pelos seus consumos excessivos de tudo o que era droga. Lembro-me de ver o clip na MTV e ficar fascinado, a sonhar que podia entrar por ali adentro e ficar a curtir com eles. O máximo!




Liceu (16-18 anos)

Banda – The Smiths
Disco – The Smiths (1984)
Música – This Charming Man

O Liceu faz-me lembrar os Smiths, muito Smiths, sempre os Smiths. Poderiam ser tantos outros mas esta é definitivamente a Minha banda. Nunca a pop foi tão perfeita e genial. Nessa altura, todos os que usávamos óculos de massa e passávamos mais tempo a armar a poupa de manhã com laca do que a vestir-nos, andávamos com esta Manchester, esta Inglaterra, esta paixão no coração. A poesia sublime de Morrisey e a minha guitarra favorita de sempre, pela mão do genial Johnny Marr, embalaram os meus melhores sonhos de adolescente. Tenho todos os discos religiosamente guardados e considero-os um dos tesouros da minha vida. Sei que estarão sempre lá por mim quando eu quiser, quando eu precisar deles.

Os Smiths fazem-me lembrar o meu primo Quim, o meu grande companheiro e melhor amigo nesses anos fantásticos. Os Smiths ajudaram-me a conquistar a minha primeira namorada do Liceu e o Quim também deu a sua forcinha: esteve um dia inteiro a copiar os discos para as cassetes TDK que serviram de declaração de amor. Quando olho para os avanços tecnológicos desde então, parece que foi há séculos. Os Smiths, esses, continuam tão actuais como sempre.

Escolhi o segundo single do primeiro disco porque este dedilhar na Rickenbacker ainda hoje me maravilha e está tudo lá: a pose, a atitude, a ambiguidade das palavras, a vida transposta para uma rodela de vinil. Mágicos!




Faculdade (19-22 anos)

Banda – Suede
Disco – Suede (1993)
Música – Animal Nitrate

O “So Young” poderia ser a escolha mais poética mas esta guitarra que corta traz-me tantas recordações… Lisboa, princípios dos 90 e muita, muita solidão. Muito trabalho, muita pergunta e sobretudo mesmo muita solidão.
Comboios e autocarros.
Estradas e carris.
Milhares de quilómetros…
Longe da família, longe dos amigos, longe da terra, longe de uma cidade que nunca soube compreender, refugiei-me na música, nesta música que ainda hoje me comove.
Os Suede são pura filigrana.
A capa do disco revela-nos um beijo entre duas figuras andróginas como o próprio Brett Anderson e abre as portas para um amor incondicional desde que seja sinónimo de entrega.
É um disco genial, belíssimo e poético, com uma musicalidade que me enche as medidas. Um dos meus favoritos de sempre.

O video está aqui.


Regresso. 1ºs Empregos (23-27 anos)

Banda – The Verve
Disco – Urban Hymns (1997)
Música – Sonnet

Aos primeiros acordes desta música, fecho os olhos e estou sentado no chão da minha casa de Marvão numa sexta-feira qualquer em que estávamos os dois de folga, de janela aberta, a olhar o céu por entre os telhados e as palmeiras. Os primeiros tempos de casamento. A primeira casa a que chamámos nossa. As primeiras compras e as primeiras refeições feitas por nós, brincando às famílias. A paisagem a perder de vista. As noites na muralha. O nascer do sol na janela da cozinha. Os medos e as vitórias. As descobertas. Os empregos como professor de Inglês na GNR, no Programa Agir, na Opel, e depois nas Finanças. A chegada da Leonor e a vida que ganhou outro sentido. Para sempre.




Nisa (28-31)

Banda – The Strokes
Disco – Room on Fire (2003)
Música – Reptilia

Em Nisa tive a sorte de encontrar camaradas da minha estirpe e ainda hoje, quando recordo esses tempos, me pergunto como era possível o trabalho aparecer feito e nós passarmos os dias a rir. Cada um de nós, cada colega era uma personagem de banda desenhada. O Serviço local parecia um estúdio onde era gravada uma sitcom, com a água a fazer cascata no quadro da luz quando chovia muito e o chão armadilhado com baldes para apanhar o que o velho telhado não conseguia conter. Tive dias em que pensei que era mesmo actor numa série marada.

Ali vivi tempos de felicidade e cumplicidade. Foram anos que passaram como se fossem dias.

No final das tardes de sexta-feira, preparávamos a entrada em grande no fim-de-semana, rumando ao bar Ka-lips que o nosso velhinho Ti João Fazendas baptizou de Kaisbeques porque o inglês nunca foi o seu forte. Ali dávamos dois dedos de conversa, batíamos umas cigarradas, arrematávamos umas fresquinhas e saíamos de regresso a casa. No meu corsinha TD preto, pela estrada da Póvoa, abria os vidros e respirava o ar puro dos campos, com os Strokes a bombarem nas colunas…

“I said, please don’t slow me down, if I’m going too fast…”

O video está aqui.


Finanças de Marvão. Câmara Municipal (32-35)

Banda – Artic Monkeys
Disco – Favourite Worst Nightmare (2007)
Música – Fluorescent Adolescent

Os Artic Monkeys são para mim um mistério. Continuo a perguntar-me, de cada vez que os ouço, como é que um grupo de miúdos de um subúrbio de Sheffield, com mais acne que barba na cara, consegue fazer música assim, com esta densidade lírica e este brilhantismo instrumental. Simplesmente arrebatadores.

Os Arctic fazem-me sempre lembrar a casa com que tanto sonhámos que se fez de verdade, fazem-me lembrar a entrada para a Câmara, fazem-me lembrar a minha vida em Santo António e as muitas, mesmo tantas vezes em que corri já noite fora, com eles a fazerem-me companhia no ipod, por essas veredas e caminhos de terra batida.

Como ainda rodam com frequência, a par da nova reencarnação do génio Alex Turner nos Last Shadow Puppets, são a banda sonora destes dias.

Do brilhante “Fluorescent Adolescent”, a minha tradução não literal, que fecha da melhor maneira este post,

“O melhor que tiveste,
É apenas uma memória e esses sonhos,
Não são tão vagos quanto parecem,
Quando os sonhas outras vez.”



A caça pela nova banda favorita tem uma lista de candidatos recém-chegados que nunca mais acaba e está em constante renovação…

Não é isto da música uma cena tão mágica?

3 comentários:

Francisco Abrantes disse...

Parabéns pelo post Pedro, revejo-me nele e sobretudo em algumas bandas; épocas e estilos, talvez porque também sou desse tempo... e que saudades desse tempo, permite-me só acrescentar uns nomes a essa lista, os brilhantes "The Pixies", os enigmáticos "The Jesus and Mary Chain", os poderosos "Faith no More", ou os carismáticos "The Cure", são nomes que de certeza te trazem igualmente boas memórias. A mim trazem...
abraço

Francisco Abrantes
agora em Castelo de Vide

M. disse...

É uma cena completamente mágica! E eu devia ter-te convidado: devia ter-me lembrado que irias fazer uma lista assim genial :)

Catarina disse...

e mita tem razão, convites era bem, porque assim uma pessoa tem justificação para copiar a ideia. Desde que li (e ouvi) que já estou a pensar na minha magic playlist...