E sim… ele conseguiu.
Houve momentos em que temi que pudesse não ser assim. Os Estados Unidos da América são uma extensão gigantesca de território, um caldeirão de raças e credos com formas de ser e de pensar muito díspares mas muitos dos seus habitantes, sobretudo de áreas do interior profundo, estão ainda muito limitados por convicções do passado. De forma que sempre receei que esta mudança radical pudesse não se concretizar por esse receio de corte abrupto com a tradição.
Hoje já ninguém duvida que Obama é especial. Não conheço a fundo o seu programa eleitoral nem nunca li qualquer um dos dois livros que escreveu. Conheço as políticas que defende pelo que vi, ouvi ou li na comunicação social e o que sei da sua vida soube-o pela brilhante banda-desenhada que foi lançada nos States no calor da campanha e distribuída em Portugal pela Visão. Foi aí que descobri que é filho de um economista queniano e de uma antropóloga americana, que nasceu no Havai, onde foi criado pelos avós maternos e que viveu também na Indonésia, após o segundo casamento da mãe, o que o ajudou a compreender melhor o mundo como um todo.
Graduou-se com louvor em Harvard, foi professor de Direito Constitucional e mais tarde licenciou-se em Ciência Política. Apesar de se mover nas altas esferas das mais prestigiadas firmas de advogados de Chicago, nunca deixou de olhar pelos mais pobres e desfavorecidos, realizando trabalho comunitário de proximidade e defendendo os direitos civis dos que nada têm.
Obama é um desalinhado, um homem que não renega as suas raízes, que saiu do nada, que não teve problemas de confessar que andou por maus caminhos e esteve perigosamente próximo do álcool e da droga. Em 2000 não conseguiu um lugar como delegado na Convenção Democrática de Los Angeles. Foi barrado à porta e viu-se obrigado a assistir os discursos pelos televisores do Staples Center. Quatro anos depois foi convidado a fazer o discurso principal na Convenção para a nomeação de John Kerry e em 17 minutos passou de desconhecido candidato a senador do Illinois a estrela mediática. 8 anos depois venceu as eleições e faz história ao ser o primeiro afro-americano a chegar à Casa Branca, com apenas 47 anos.
Os seus discursos arrebatadores e quase proféticos apaziguam qualquer um por dentro e há nele uma fé, uma confiança, um “à vontade”, uma sinceridade e uma honestidade que nos tranquilizam. Eu acredito e por esta altura, milhões de americanos também. Eu não sei, mas dá-me sempre a sensação que podia ficar ali a ouvi-lo a vida inteira. Tudo aquilo faz sentido e acabamos sempre por ficar com vontade de fazer algo mais, de sermos pessoas melhores.
A serenidade com que fala, caminha e vive, prova que é feito da massa do grandes líderes como Kennedy ou Luther King. Oxalá não tenha um fim semelhante. A sua forma de estar, de tão pacífica e visionária torna-se perigosa para os grandes grupos de tubarões que controlam a economia e a sociedade e se sentem assim ameaçados. No espaço de um mês foram já identificadas três tentativas de assassinato. Essa é uma das duras realidades com que vai ter de aprender a lidar.
Aquela de dizer que sabe que não vai ser um presidente perfeito mas que vai sempre dizer a verdade e aquilo em que acredita, tem porras. É preciso muita coragem e muita audácia política para poder descer àquele patamar.
E depois, tudo isto só é possível na América e prova, de facto, que o sonho ainda vive: em quarenta anos, os negros passaram dos bancos de trás dos autocarros e das áreas descriminadas nos restaurantes, de um tratamento ao nível da condição de animais inferiores, para a cadeira mais poderosa da nação.
Eu compreendo a emoção e as lágrimas do Reverendo Jesse Jackson ontem na plateia de Chicago. Ele viveu o suficiente para ter visto todo o duro caminho que se teve de trilhar até aquele cimo de monte, um percurso escrito com sangue e dor, com sofrimento e luta, com o esforço de gerações. O discurso da vitória é absolutamente notável e um marco histórico incontornável.
Porque este é um momento de viragem, não só para a América, mas para todo o mundo. Acredito de facto que hoje vivemos num planeta mais pacífico. Barak é pai de duas meninas e fala em daqui a 100 anos, uma perspectiva bem diferente da do seu antecessor que parecia meter o dinheiro e o petróleo à frente de qualquer outro valor e que parecia viver para o minuto. Novos tempos se avizinham. Esperança…
A América ganhou um novo Presidente e eu um novo herói. Como todos os outros, espero que me sirva de modelo, luz e guia.
Que Deus o proteja. Ele vai certamente precisar e nós já precisamos tanto dele.
Houve momentos em que temi que pudesse não ser assim. Os Estados Unidos da América são uma extensão gigantesca de território, um caldeirão de raças e credos com formas de ser e de pensar muito díspares mas muitos dos seus habitantes, sobretudo de áreas do interior profundo, estão ainda muito limitados por convicções do passado. De forma que sempre receei que esta mudança radical pudesse não se concretizar por esse receio de corte abrupto com a tradição.
Hoje já ninguém duvida que Obama é especial. Não conheço a fundo o seu programa eleitoral nem nunca li qualquer um dos dois livros que escreveu. Conheço as políticas que defende pelo que vi, ouvi ou li na comunicação social e o que sei da sua vida soube-o pela brilhante banda-desenhada que foi lançada nos States no calor da campanha e distribuída em Portugal pela Visão. Foi aí que descobri que é filho de um economista queniano e de uma antropóloga americana, que nasceu no Havai, onde foi criado pelos avós maternos e que viveu também na Indonésia, após o segundo casamento da mãe, o que o ajudou a compreender melhor o mundo como um todo.
Graduou-se com louvor em Harvard, foi professor de Direito Constitucional e mais tarde licenciou-se em Ciência Política. Apesar de se mover nas altas esferas das mais prestigiadas firmas de advogados de Chicago, nunca deixou de olhar pelos mais pobres e desfavorecidos, realizando trabalho comunitário de proximidade e defendendo os direitos civis dos que nada têm.
Obama é um desalinhado, um homem que não renega as suas raízes, que saiu do nada, que não teve problemas de confessar que andou por maus caminhos e esteve perigosamente próximo do álcool e da droga. Em 2000 não conseguiu um lugar como delegado na Convenção Democrática de Los Angeles. Foi barrado à porta e viu-se obrigado a assistir os discursos pelos televisores do Staples Center. Quatro anos depois foi convidado a fazer o discurso principal na Convenção para a nomeação de John Kerry e em 17 minutos passou de desconhecido candidato a senador do Illinois a estrela mediática. 8 anos depois venceu as eleições e faz história ao ser o primeiro afro-americano a chegar à Casa Branca, com apenas 47 anos.
Os seus discursos arrebatadores e quase proféticos apaziguam qualquer um por dentro e há nele uma fé, uma confiança, um “à vontade”, uma sinceridade e uma honestidade que nos tranquilizam. Eu acredito e por esta altura, milhões de americanos também. Eu não sei, mas dá-me sempre a sensação que podia ficar ali a ouvi-lo a vida inteira. Tudo aquilo faz sentido e acabamos sempre por ficar com vontade de fazer algo mais, de sermos pessoas melhores.
A serenidade com que fala, caminha e vive, prova que é feito da massa do grandes líderes como Kennedy ou Luther King. Oxalá não tenha um fim semelhante. A sua forma de estar, de tão pacífica e visionária torna-se perigosa para os grandes grupos de tubarões que controlam a economia e a sociedade e se sentem assim ameaçados. No espaço de um mês foram já identificadas três tentativas de assassinato. Essa é uma das duras realidades com que vai ter de aprender a lidar.
Aquela de dizer que sabe que não vai ser um presidente perfeito mas que vai sempre dizer a verdade e aquilo em que acredita, tem porras. É preciso muita coragem e muita audácia política para poder descer àquele patamar.
E depois, tudo isto só é possível na América e prova, de facto, que o sonho ainda vive: em quarenta anos, os negros passaram dos bancos de trás dos autocarros e das áreas descriminadas nos restaurantes, de um tratamento ao nível da condição de animais inferiores, para a cadeira mais poderosa da nação.
Eu compreendo a emoção e as lágrimas do Reverendo Jesse Jackson ontem na plateia de Chicago. Ele viveu o suficiente para ter visto todo o duro caminho que se teve de trilhar até aquele cimo de monte, um percurso escrito com sangue e dor, com sofrimento e luta, com o esforço de gerações. O discurso da vitória é absolutamente notável e um marco histórico incontornável.
Porque este é um momento de viragem, não só para a América, mas para todo o mundo. Acredito de facto que hoje vivemos num planeta mais pacífico. Barak é pai de duas meninas e fala em daqui a 100 anos, uma perspectiva bem diferente da do seu antecessor que parecia meter o dinheiro e o petróleo à frente de qualquer outro valor e que parecia viver para o minuto. Novos tempos se avizinham. Esperança…
A América ganhou um novo Presidente e eu um novo herói. Como todos os outros, espero que me sirva de modelo, luz e guia.
Que Deus o proteja. Ele vai certamente precisar e nós já precisamos tanto dele.
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Nota: Porque acredito que estamos perante uma nova linguagem, um novo espírito, uma nova forma de estar na política com a qual me identifico profundamente, não resisti a traduzir três momentos do discurso de vitória proferido ontem em Chicago:
“Eu vou ouvir-vos. Sobretudo quando estivermos em desacordo.”
“A todos os americanos cujo apoio tenho ainda de conquistar: posso não ter ganho o vosso voto, mas ouço as vossas vozes, preciso da vossa ajuda e serei o vosso Presidente também.”
“Esta eleição teve muitos estreantes e muitas histórias que vão ser contadas por gerações. Mas há uma que está bem clara hoje na minha mente e é sobre uma mulher que votou em Atlanta. Ela é muito parecida com milhões de outras que esperaram na fila para fazerem ouvir a sua voz nesta votação, apenas com uma diferença: Ann Nixon Cooper tem 106 anos de idade.
Ela nasceu uma geração depois da escravatura, tempos em que não existiam carros nas estradas ou aviões no céu; quando alguém como ela não podia votar por duas razões: por ser mulher e pela cor da sua pele.
E hoje, penso acerca de tudo aquilo que ela viu durante este século na América: o desgosto e a esperança; a luta e o progresso; os tempos em que nos diziam que não podíamos, e as pessoas que pressionavam com uma crença americana: Sim, podemos.
Nesses tempos em que as vozes das mulheres eram silenciadas e as suas esperanças se dissipavam, ela viveu para vê-las erguerem-se, falarem e pegarem no boletim de voto: Sim, podemos.
Quando havia desespero e depressão por todo o território, ela viu uma nação conquistar o medo com o “New Deal”, novos empregos e um novo sentido de objectivos comuns: Sim, podemos.
Quando as bombas cairam no nosso porto e a tirania ameaçou o mundo, ela estava lá para testemunhar a ascenção de uma geração à excelência e à salvação da democracia: Sim, podemos.
Ela estava lá pelos autocarros de Montgomery, pelas mangueiras de Birmingham, pela Ponte de Selma, e por um pregador de Atlanta que disse às pessoas que “nos devemos superar”: Sim, podemos.
Um homem pisou a lua, um muro caiu em Berlim, o mundo ligou-se pela nossa ciência e imaginação. E neste ano, nesta eleição, ele tocou com o seu dedo num ecrã e votou, porque 106 anos depois, passados os melhores tempos e horas mais escuras, ela sabe como a América pode mudar: Sim, podemos.
America, nós chegámos tão longe. Nós vimos tanto. Mas há tanto mais para fazer. Nesta noite, vamos perguntar-nos: se os nossos filhos vivessem para ver o próximo século, se as minhas filhas fossem tão sortudas e vivessem tantos anos quanto a Ann Nixon Cooper, que mudanças iriam elas ver? Que progressos teríamos alcançado?
Esta é a nossa oportunidade de responder a essa chamada. Este é o nosso momento. Este é o nosso tempo: de colocarmos as nossas gentes de volta ao trabalho e de abrirmos as portas da oportunidade aos nossos filhos; de restaurarmos a prosperidade e promovermos a causa da paz; de reclamarmos o sonho americano e reafirmarmos a verdade fundamental – que de muitos, somos um; que enquanto respirarmos, teremos esperança; e quando nos confrontarmos com o cinismo e a dúvida e com aqueles que nos dizem que não podemos, iremos responder que a crença intemporal que resume o espírito de um povo: Sim, nós podemos.
Muito obrigado. Que Deus vos abençoe e abençoe a América.”
O discurso na íntegra em:
http://elections.nytimes.com/2008/results/president/speeches/obama-victory-speech.html##
http://www.huffingtonpost.com/2008/11/04/obama-victory-speech_n_141194.html
http://www.guardian.co.uk/commentisfree/2008/nov/05/uselections2008-barackobama
E uma celebração destas tinha de meter música… esta, escrita como homenagem para aquele que sonhou, assenta que nem a uma luva ao que o concretizou: In the name of Love.
http://elections.nytimes.com/2008/results/president/speeches/obama-victory-speech.html##
http://www.huffingtonpost.com/2008/11/04/obama-victory-speech_n_141194.html
http://www.guardian.co.uk/commentisfree/2008/nov/05/uselections2008-barackobama
E uma celebração destas tinha de meter música… esta, escrita como homenagem para aquele que sonhou, assenta que nem a uma luva ao que o concretizou: In the name of Love.
3 comentários:
Um recado para Obama… e, para o Pedro: (Os mandatos são como as competições, “nunca se medem quando começam, mas sim quando acabam…”)
Talvez Ann Nixon Cooper tivesse pensado, mas nada disse e, isto também é a América.
- As bombas de “napalme” no Vietname e os milhares de mortos na Indochina!
- A intervenção no Chile em 1973, com a chacina de milhares de democratas!
- O cerco e o bloqueio a Cuba, provocando a miséria a todo um povo de inocentes.
- Um sistema político que permite a toda a gente ter uma arma e fazer justiça pelas próprias mãos, incluindo crianças!
- Os acordos sobre poluição impingidos pelos “staites” e nunca cumpridos por eles próprios!”
- Um sistema capitalista sem escrúpulos, que explora todo o mundo em prol do sonho americano!”
- A invasão do Iraque e a grande merda em que nos meteram a todos!
- Etc., Etc…
“…nós podemos”, e os outros será que os deixamos?
jbuga
Também torci por Obama, mas temo que nos próximos tempos, fique com a liberdade de acção tolhida, por aquelas forças nocivas, que se costumam ocultar por trás da luz :
nomeadamente, a poderosa industria do armamento .
Obrigado, Pedro pela tradução!
Admiro na América, isto que descreves:
“E depois, tudo isto só é possível na América e prova, de facto, que o sonho ainda vive: em quarenta anos, os negros passaram dos bancos de trás dos autocarros e das áreas descriminadas nos restaurantes, de um tratamento ao nível da condição de animais inferiores, para a cadeira mais poderosa da nação.”
Também simpatizo com o Obama e torci pela sua vitória!
Contudo, os seus discursos, sendo extraordinários, assemelham-se demasiado aos discursos dos “reverendos” das várias religiões em ascensão.
E isso “enerva-me”!
Não será apenas capacidade de discurso? Será que teve, apenas, a sorte de aparecer no momento certo?
No entanto, o facto de ser preto (ou semi-preto) e ser eleito Presidente dos USA já me causa um enorme gozo…
Julgo que se for mesmo bom, se for aquilo que parece… será assassinado…
Certamente!
Grande Abraço
Bonito Dias
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