domingo, 6 de junho de 2010

E-mailando


Os e-mails são hoje uma das mais preciosas fontes de informação de que dispomos. Por serem de simples de executar, gratuitos e extremamente céleres tornaram-se num fenómeno comunicacional à escala planetária.

Envia-se por mail aquilo que jamais nos daríamos ao trabalho de redigir, enfiar num envelope, selar e pagar sabendo de antemão que só chegaria dias depois.

O electrónico do correio dos nossos dias coloca tudo à distância de um clique no botão. A mensagem que recebemos da Austrália pode chegar em segundos ao Brasil para instantes depois estar a cair numa caixa qualquer na Gronelândia.

É o nosso admirável mundo novo, no qual o ouro (informação) não se esgota mas antes se multiplica.

Os e-mails aproximam, divertem, questionam, fazem-nos rir e pensar.

É certo que também aqui não há meios perfeitos e há que saber seleccionar. Há muita palha, muita vigarice e muita mentira a circular. Mas se soubermos aproveitar bem, há documentos que se revelam notáveis.

Não resisto a publicar dois textos que recebi por separado, com alguns meses de diferença, mas que se encontraram numa pasta do meu computador apesar de estarem nos antípodas um do outro. Desconheço a veracidade do enquadramento e da origem mas sendo os dois tão verosímeis, custa-me a acreditar que não sejam autênticos. Lidos de seguida fazem uma mistura deliciosa que gostaria de partilhar convosco.

Para qual dos dois caminharemos nós?


Texto verídico retirado de uma prova livre de Língua Portuguesa, realizada por um aluno do 9º ano, numa Escola Secundária das Caldas da Rainha

REDAXÃO
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'O PIPOL E A ESCOLA'
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Eu axo q os alunos n devem d xumbar qd n vam á escola. Pq o aluno tb tem Direitos e se n vai á escola latrá os seus motivos pq isto tb é perciso ver q á razões qd um aluno não vai á escola. Primeiros a peçoa n se sente motivada pq axa q a escola e a iducação estam uma beca sobre alurizadas.
Valáver, o q é q intereça a um bacano se o quelima de trásosmontes é munto Montanhoso? Ou se a ecuação é exdruxula ou alcalina? Ou cuantas estrofes tem um cuadrado? Ou se um angulo é paleolitico ou espongiforme? Hã?
E ópois os setores ainda xutam preguntas parvas tipo cuantos cantos tem 'os Lesiades''s, q é u m livro xato e q n foi escrevido c/ palavras normais mas q no aspequeto é como outro qq e só pode ter 4 cantos comós outros, daaaah.
Ás veses o pipol ainda tenta tar cos abanos em on, mas os bitaites dos profes até dam gomitos e a Malta re-sentesse, outro dia um arrotou q os jovens n tem abitos de leitura e q a Malta n sabemos ler nem escrever e a sorte do gimbras foi q ele h-xoce bué da rapido e só o 'garra de lin-chao' é q conceguiu assertar lhe com um sapato. Atão agora aviamos de ler tudo qt é livro desde o Camóes até á idade média e por aí fora, qués ver???
O pipol tem é q aprender cenas q intressam como na minha escola q á um curço de otelaria e a Malta aprendemos a faser lã pereias e ovos mois e piças de xicolate q são assim tipo as pecialidades da rejião e ópois pudemos ganhar um gravetame do camandro. Ah poizé. Tarei a inzajerar?

Redacção feita por uma aluna de Letras, que obteve a vitória num concurso interno promovido pelo professor da cadeira de Gramática Portuguesa

Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam no elevador.

Um substantivo masculino, com aspecto plural e alguns anos bem vividos pelas preposições da vida. O artigo, era bem definido, feminino, singular. Ela era ainda novinha, mas com um maravilhoso predicado nominal. Era ingénua, silábica, um pouco átona, um pouco ao contrário dele, que era um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanático por leituras e filmes ortográficos.

O substantivo até gostou daquela situação; os dois, sozinhos, naquele lugar sem ninguém a ver nem ouvir. E sem perder a oportunidade, começou a insinuar-se, a perguntar, conversar. O artigo feminino deixou as reticências de lado e permitiu-lhe esse pequeno índice.

De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro.

Óptimo, pensou o substantivo; mais um bom motivo para provocar alguns sinónimos. Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador recomeçou a movimentar-se. Só que em vez de descer, sobe e pára exactamente no andar do substantivo. Ele usou de toda a sua flexão verbal, e entrou com ela no seu aposento.Ligou o fonema e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica, suave e relaxante. Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato com gelo para ela.

Ficaram a conversar, sentados num vocativo, quando ele recomeçou a insinuar-se. Ela foi deixando, ele foi usando o seu forte adjunto adverbial, e rapidamente chegaram a um imperativo.
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Todos os vocábulos diziam que iriam terminar num transitivo directo.

Começaram a aproximar-se, ela tremendo de vocabulário e ele sentindo o seu ditongo crescente. Abraçaram-se, numa pontuação tão minúscula, que nem um período simples, passaria entre os dois.

Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula.

Ele não perdeu o ritmo e sugeriu-lhe que ela lhe soletrasse no seu apóstrofo. É claro que ela se deixou levar por essas palavras, pois estava totalmente oxítona às vontades dele e foram para o comum de dois géneros.

Ela, totalmente voz passiva. Ele, completamente voz activa. Entre beijos, carícias, parónimos e substantivos, ele foi avançando cada vez mais.

Ficaram uns minutos nessa próclise e ele, com todo o seu predicativo do objecto, tomava a iniciativa. Estavam assim, na posição de primeira e segunda pessoas do singular.

Ela era um perfeito agente da passiva; ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu grande travessão forçando aquele hífen ainda singular.

Nisto a porta abriu-se repentinamente.

Era o verbo auxiliar do edifício. Ele tinha percebido tudo e entrou logo a dar conjunções e adjectivos aos dois, os quais se encolheram gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas.

Mas, ao ver aquele corpo jovem, numa acentuação tónica, ou melhor, subtónica, o verbo auxiliar logo diminuiu os seus advérbios e declarou a sua vontade de se tornar particípio na história. Os dois olharam-se; e viram que isso era preferível, a uma metáfora por todo o edifício.

Que loucura, meu Deus!

Aquilo não era nem comparativo. Era um superlativo absoluto. Foi-se aproximando dos dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do sujeito apontado aos seus objectos. Foi-se chegando cada vez mais perto, comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo e propondo claramente uma mesóclise-a-trois.

Só que, as condições eram estas:

Enquanto abusava de um ditongo nasal, penetraria no gerúndio do substantivo e culminaria com um complemento verbal no artigo feminino.
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O substantivo, vendo que poderia transformar-se num artigo indefinido depois dessa situação e pensando no seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final na história. Agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, atirou-o pela janela e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à língua portuguesa, com o artigo feminino colocado em conjunção coordenativa conclusiva.
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PS: Com um abraço e um agradecimento aos fornecedores dos ditos-cujos. Bem hajam!

2 comentários:

Helena Barreta disse...

Como é que se chega ao 9º ano a escrever assim é que eu não compreendo. Custa-me a acreditar que o texto seja verídico. Quanto ao outro, excelente.

Jota disse...

São formas diferentes de arte, embora gramatical. O primeiro texto é um degredo e pode ser equiparado a um Tracey Emin, artista inglesa contemporânea de "renome" que expõe... (apetece-me utilizar um termo mais gráfico, mas melhor não) porcaria!! Já o segundo, bem esse está no outro extremo e pode talvez ser digno de ser comparado a um Klimt, mas na fase mais tardia da sua obra... belíssimo!!