domingo, 24 de janeiro de 2016

Carta de amor a um mano emigrado. Parabéns Broki!

Deve haver vidas mais baratas. Mas não devem valer nada.

O meu mano faz hoje, dia 25, 36 anos. Eu gosto muito do meu irmão. Vai fazer hoje, 25 de Janeiro, 36 anos. Tantos a mais que 80, que foi o ano em que aterrou na terra. Eu tenho uma cena com o meu irmão que não se explica. Sente-se. Viemos da mesma forma (mãe) e tivemos a mesma semente (pai). Deve ser por isso.

Até me parece impossível como é que há irmãos que não se falam. Irmãos que se zangam. Irmãos que brigam por causa de casas, terrenos e outras merdas sem jeito nenhum porque isso são coisas terrenas. Coisas que ficam. Quando um gajo nasce vem despido e marcha com a mesma bagagem. Ou acaba com a mesma bagagem. Se as pessoas viventes pensassem nem que fosse um minuto nisto todos os dias, o mundo era bem melhor para se viver.

Mas vamos ao Broki que hoje é quem interessa. Broki é a alcunha como nos tratamos e não tem uma definição concreta. Mistura brother e friend e dá esta palavra sei lá como, mas dá. Para a gente resulta, que é o que interessa.

Por falar em alcunhas, roubou-me o nome. Quando chegou a Portalegre, anos mais tarde que eu, começou a dizer que era o Sabi. Sem sr. (sénior à frente). Ao ponto de os putos da sua idade, quando me conheciam, diziam: "Ai, tu és o irmão do Sabi!"
"Não, bebé! EU SOU o Sabi. O único. O original. O autêntico. Há para aí uma imitação mas é pechisbeque. Tem só um banho de ouro. Não é maçiço." Tansos! 

Isto pode parecer ridículo e treta mas ainda me lembro bem quando os meus pais deixaram a Beirã nesse primeiro mês de 80, para o homem ir desaguar ao hospital novo, a Portalegre. Foram no Renault 5, dar-me um beijo à escola primária e eu ia tão contente que esbarrei com a porta e a ia levando-a à frente. 

Eu não me acho bonito. Palavra. Tenho uma penca enoooorme e uma queixada que quase chega aos pés mas o meu irmão é um homem bonito. Mais bonito que eu. E elegante. Que o gajo sempre foi magro e parece uma top model, a boneca. O “pronto a vestir” como o batizou o Fernando Andrade, por andar sempre boneco.

Quando vivemos juntos, tivemos uma coabitação… nada pacífica. Que se levava, apenas. 6 anos de diferença eram muitos anos, sobretudo quando um já quer ser gaiatão, aos 14, 15; e o outro nem sequer tem 10, estando os pais todo o dia fora a trabalhar no escritório, das 9h às 6h.

O meu irmão sempre foi muito próximo do meu pai. Mais próximo que eu e não foi por vontade minha, nem dele. Calhou assim. Eu sempre puxei mais à mãe, (com quem chocava, e choco ainda agora mais do que queria, por sermos tão iguais) e ainda hoje acredito que o meu pai, que me teve a mim quando era mais novo, tentou evitar no meu irmão, os erros que tinha cometido comigo.
Exemplo? Com ele aprendi que a nossa liberdade acaba onde começa a dos outros, mas se eu tivesse um filho que quisesse ser de um clube diferente do meu Benfica, eu tentaria por todas as formas e mais alguma, tentá-lo convencer do erro que cometia. Eu sempre fui do Benfica desde que me lembro porque quando comecei a despertar para a bola, o Benfica tinha o Chalana, o Shéu Han, o Humberto Coelho, o Néné, o Manuel Galrinho Bento na baliza e ganhava quase sempre. OS putos querem ser é daquele que ganha. Por isso é que lamentavelmente temos hoje tantos do Porto.
Eu quis ser do Benfica, o meu pai deixou-me ser do Benfica e nunca sequer me chateou, mas com o meu irmão já não deixou que esse deslize acontecesse. O puto é lagartão como o velho era e os seus filhos já são sócios (!), por Deus. Casos irremediáveis e perdidos para sempre.

Certo dia, (não resisto a contar esta outra vez), quando os meus pais ficaram desempregados, escreveu, através do meu primo Carlos de Almada, uma carta a dizer que tinha pouco guito mas queria ser sócio e os gajos mandaram-lhe um cartão de sócio correspondente. Uma coisa de nível e aquela merda foi das primeiras vezes que vi um cartão em que a foto não era colada mas estava mesmo impressa no próprio cartão. O puto andava com aquela cena com um empenho que parecia que tinha ali um diamante em bruto. Certo dia enviaram-lhe uma nova quota e apanhei o gajo a lamentar-se em casa que a cola da vinheta velha não tinha saído bem, e ele não queria colara a vinheta nova com cola velha a conspurcar o emblema. Eu, Benfiquista, 6 anos mais velho, a saber que os pais estavam fora, disse-lhe: “ah, Miguel, não stresses. Dá-lhe com um bocadinho de acetona e a cola sai toda…”
Bem dito…
- E então? Saiu?, perguntei.
- Está a sair toda…
Saiu, saiu. A cola e metade da fotografia que desapareceu assim que o algodão lhe passou por cima!
Levou-me a tarde a chorar. Baba e ranho e só parava para, entre gemidos e a respiração ofegante, me desejar todo o mal do mundo e mais algum.
Muito bom.
Mas eu não sabia. Eu só queria ajudar.

Depois eu fui estudar, o cartão que passava ao puto era pouco ou nenhum; e ele, quando fez 18 e terminou o 12º, foi estudar para o Algarve. Para o Algarve?!?!? Uma loucura. Se revivesse tudo outra vez, nunca o deixaria ter feito tal asneira. Por causa dessa porra é que nunca mais o tive. Andou por lá, levou o curso na boa e conseguiu emprego lá num banco. Depois namorava uma cachopinha de cá que lá trabalhava, olha, juntaram-se, casaram-se, tiveram piquenos (duas pilas) e já está.

Assim o quero sempre recordar de cada vez que me lembro dele: com duas babosas a sair do palco dos sonhos. (Pastelaria Caldeira)
Toca o telemóvel e a foto é esta.

O meu irmão é um crânio a informática. O homem Domina e onde eu sou nhurro e atado, o gajo desfila. Se tem um iphone topo de gama e vê os canais todos à pala e mais algum, caraças. Jogos de bola, filmes para adultos, (ele também já é), domina tudo o que é programas e outras cenas da net. O gajo poderia ter sido um engenheiro de informática do melhor e andar por aí a passear pelo mundo mas é um bancário que vai de Vespa para sucursal. Muito nível. Ganha o dele, é honesto mas poderia ganhar muito mais.

Se eu cá o tivesse, ria-me milhões porque o gajo é muito divertido. Herdámos esta cena do meu pai, do nosso grande pai, João Sobreiro que era tal e qual como a gente, ou agente é que é tal e qual como ele (e os amigos que eram dele também, sabem que é verdade). É que as pessoas dizem que eu também sou engraçado, que se riem com as minhas parvoeiras e eu também me rio.

Se eu cá o tivesse, tinha-o comigo para ir beber a imperial de fecho do dia, acompanhada do tal cigarro. Daria mais conforto à minha mãe que está sozinha e só vê os netos MaCjête de temporada a temporada. Íamos correr juntos, que o gajo também já corre mas é calão; íamos à piscina no Verão, estávamos mais próximos e a falta dele é mesmo uma grande lacuna que se prolonga pela vida fora. A minha vida é muito menos feliz por não o ter cá. 

Nunca discutimos. Já nunca discutimos e era quase sempre por causa da merda da bola. Ficam para os anais da história as discussões entre os manos nos jogos assistidos no bar-cervejaria Saúl; quando nos brigávamos, zangávamos, discutíamos e saíamos zangados. Agora eu estive quase a baicar e já não entro nessas. Gosto que ganhe o meu Benfica mas não fico doente quando perde, como ficava. Quando estava recém casado e morava em Marvão, uma vez a ver um jogo em casa, o Nuno Gomes falha-me um golo e eu dei uma palmada em cima da mesa que parti o vidro da camila. O vidro mudou-se e a Fernanda Cristina viu com quem tinha casado.

O meu irmão vem cá só de quando em quando. Pudera, quase que emigrou para Marrocos. Vê-se de lá. O gasóleo está caro, o desgaste na mula ainda é algum e o palerma diz que por vezes vem à briga com o sono. A mulher não conduz. Depois é desligado. O meu pai também era. Vive muito na cena dele. Não liga, liga pouco e diz sempre que ele é que é o que liga mais. Eu curtia que passássemos horas no skipe a dizer as nossas cenas mas acho que o gajo não tem pachorra para mim. É um batoteiro do catano. A minha tia Maria, que infelizmente já acabou, o garante de memória e o último bastião da família Sobreiro, dizia sempre que falávamos nisto que houve um antecedente nosso que também era assim, batoteiro. Eu sempre tive muito mais jeito para as mulheres, pelo que não me importo nada de não saber jogar ao truco.

O Miguel é o puto mas em muitas coisas é o mais velho. Eu sou rebelde demais, impetuoso demais, expansivo demais o gajo… a minha mãe dizia que eu era o bom e ele era mais sacaninha. Eh, eh. Eu acho que é esperto. O gajo é muita esperto. Só não foi quando foi morar lá para tão longe.

E depois é torto. Nunca quer ir beber uma ao bar do Zézé Camarinha que eu adoro, em Portimão. Ainda nunca lá o vi, no bar dele mas até tenho o livro. E o do Paulo Futre, meus dois livros de cabeceira. Só mais uma para terminar que já vou longo e estou aqui há muito tempo. Eu adoro o Paulo Futre. É o máximo! Foi dos jogadores mais fabulosos que vi jogar. Quando enchia o estádio da Luz com aquela louca cabeleira esvoaçante, estarrecia os defesas adversários e enchia o meu coração de júbilo. Adoro o gajo ser sportinguista e dizê-lo sempre a peito cheio, mesmo depois de ter jogado nos 3 grandes. Adoro a cena do gajo quando falou nos charters de chineses que viriam para ver o sporting jogar caso cotratassem uns; adoro a cena do gajo andar a vender um estimulador sexual e a fazer spots em carros cheios de gajas. Eu queria o livro, o meu irmão sabia e foi comprá-lo para me oferecer. Trouxe um autografado.
- Como é que conseguiste, man?
- Ah, estava lá um em exposição na FNAC autografado, eu consegui vê-lo e dei a volta ao bacano e trouxe-o.
- Demais!
Hoje certamente valerá milhões.

Mas agora que penso nisso, não me espantaria nada se o gajo tivesse falsificado a assinatura. Era uma boa partida ao bacano da acetona. :P


Parabéns puto!


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