quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Ser espiritual... escrevendo



A cada dia que passa sem que escreva, é um dia que sinto como perdido.

Se não escrevo, não transmito, não comunico, não respiro.

Nesta cápsula em forma de blogue que inventei na internet para viver também, ficam páginas em vazio, vagas, sem existência. Eu, que sonho com os netos, dos netos, dos netos, a recriarem-se com esta vida passada, como eu o faria se pudesse ler o testemunho de antepassados meus de há uns séculos atrás, não consigo deixar de me sentir vazio nestas alturas.

Porque se há fases em que escrever é tão essencial à vida sã, tão compulsivo e obrigatório… há outras em que o movimento da vida dos dias nos centrifuga, acomoda, e torna distante dos outros.

Toda a gente sabe que eu passo muito tempo a pensar. Gosto. Por vezes tenho alturas em que posso estar com ar aparvalhado, sorumbático (enfim, o meu), a parecer que estou a pensar na morte da bezerra, a pobre, mas não! Garanto que nessas fases, até nessas fases, ou sobretudo nessas fases, estou a pensar.

Ultimamente tenho pensado muito que a grande maioria das pessoas tem pouca consciência de que somos mortais, efémeros, e esta passagem nesta vida terrena é do mais volátil que pode haver. Eu sei que toda a gente sabe que todos iremos morrer um dia, mas o que quero realmente dizer, é que a grande maioria tem pouca consciência da espiritualidade que temos dentro de nós, e, ou a relega para um plano inferior, ou a renega.

Ninguém sobrevive mais que 3 semanas sem alimentação, ou 3 dias sem água, mas pode viver uma vida inteira sem falar consigo, sem ter uma força que o alimente e oriente, sem ter um norte na bússola espiritual que tem dentro de si.

Há pessoas que vivem apenas a responder a estímulos externos. Desde que acordam com o despertador, levam o dia em respostas a reações, à mulher, aos filhos, à escola, ao trabalho, aos colegas, aos “amigos” ao final do dia, à família outra vez, 24h/24h , 7/7,  ano por ano, década a década, até que tudo acaba.

E mesmo alguns daqueles que frequentam a igreja… (por Deus, sei que vou ser criticado por isso, mas é aquilo que penso, e se não o posso dizer aqui… digo onde?), eu disse ALGUMAS PESSOAS, NÃO TODAS, COMO É OBVIO, ALGUMAS… muitas vezes, tantas vezes, não têm consciência onde estão, quando esperam pelo nosso pároco, quando aguardam que comece a eucaristia dominical.

Domingo é um dia especial, é o primeiro da semana, aquele em que Cristo ressuscitou, aquele em que nós, cristãos, damos graças por tudo aquilo que temos, e pedimos perdão pelos nossos erros naturais da condição de humanos.
Mas nesses instantes antes do início da eucaristia, em que gosto sempre de estar em silêncio, muitas vezes, ou quase sempre de joelhos perante o altar, o ruído de fundo, das conversas entre presentes, chega a ser de tal ordem que já ouvi uns ssshhhhhhhhhhhhh… mais austeros.

Sempre ensinei aos meus meninos da catequese que quando se entra na casa do Jesus, se tem de fazer silêncio, porque Ele vive ali, em sentido figurado, dentro do sacrário. Eles, contrariados pela idade tão naturalmente rebelde, aceitaram com dificuldade, mas foram aceitando. No final, sentia que já respeitavam.
Às vezes sinto que poderia dar reciclagem, a estas pessoas mais velhinhas.

Compreendam, não é que eu me sinta melhor, que de verdade sinto que não sou melhor que ninguém; não é que eu me sinta mais… mas sinto-me no direito de opinar sobre assuntos que mexem comigo, e o respeito, é um deles.

Quem fala disto, tem também de obviamente falar sobre a vivência da espiritualidade, e do respeito por ela, nos funerais. Aquilo que escrevi sobre o nível de sussurros, alegres, de cavaqueira e convívio antes da missa, atinge nos velórios um nível absolutamente incomportável.

Na última homenagem que fui prestar a um filho ilustre desta terra, do qual gostava muito e admirava, a família da qual era oriundo e a atual; o trato distinto, e o extraordinário grau de benfiquismo; em que orei e pedi clemência por si, pela sua alma, e pelo seus; saí completamente consternado pelo nível de ruído que se respirava lá dentro da casa mortuária. Que coisa incrível!
Para aquilo, mais valia que tivessem ficado cá fora com os homens que “matam” o tempo que falta até ao enterro do cadáver, encostados ao muro da casa mortuária, a falarem de tudo e mais alguma coisa, fazendo apenas pausas para irem molhando a goela com um tintinho ou uma imperial babosa na casa mais próxima.

E não há pessoas que lamentem uma vida inteira que se perdeu, pessoas que pensem em todas as vivências que deve ter tido, boas e más; pessoas que verdadeiramente lamentem a sua perda, por tudo aquilo que deu, pelos frutos que deixou neste mundo?
Há!
Eu faço-o sempre que me despeço, em silêncio, de um corpo no qual viveu uma alma da qual eu gostava, e me sentia amigo.
Despeço-me sempre de pessoas que considerava. Na casa mortuária.
Na verdade, evito cada vez mais entrar no cemitério porque considero que aquele último momento é tão íntimo, que deveria ser fechado apenas para os familiares mais próximos.
Lá está… toda a gente “gosta” de ver, sente-se aliviada ao emocionar-se, por isso… vai.

Eu… não. A menos que haja uma proximidade tão grande com quem fica, que sinta que posso apoiar, auxiliar, servir de conforto.

Acho tão importante esta dimensão espiritual que rezo com frequência durante o dia, “falo” a força que me apoia, me empurra, me protege.

Ser cristão não é ser maricas, como muitos pensam. Ser cristão é ser bravo, é ser forte, é ser consciente, é acreditar que aqueles que são mortos diariamente por esse mundo fora por defenderem essa condição, não partiram à força deste mundo em vão.

Quando se preserva, acalenta, e estimula a dimensão espiritual, o ser humano sobe a uma dimensão diferente, muito mais proveitosa e satisfatória para si.

Recomendo uma leitura, que já foi aqui proposta creio que mais de uma vez, mas que serve na perfeição este propósito, escrita por um Homem da ciência, com o qual partilho este entendimento filosófico.
  



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