Uma série de compromissos inadiáveis, de marcações há muito combinadas e de programas circunstanciais atrasaram este texto num total de horas suficientes para preencherem 3 dias.
Apesar do delay, prometi a mim próprio que esta memória não havia de me escapar e deveria sobreviver nem que fosse para plasmar para a posteridade a magnificência deste notável episódio que tive a honra de presenciar.
Tudo isto acerca do concerto de Sexta-Feira no Centro de Artes do Espectáculo de Portalegre, integrado na tournée nacional dos Wraygunn, promovendo o seu último trabalho, “Shangri-La”.
Para reencontrar o fio que me há-de levar a esta meada dourada, viajo no tempo e recordo o percurso de regresso a casa, ainda mal refeito das tantas emoções vividas.
Aqueles que fizeram a si próprios o favor de não perder este programa, compreender-me-ão certamente quando digo que aquele ovni que trespassou as nossas vidas não foi um concerto mas antes mais uma celebração da música em todo o seu deslumbrante e infinito esplendor.
Começo com um postulado incontornável: os Wraygunn são a mais diabólica e demolidora máquina de rock’n’roll que estas terras lusas pariram um dia e se algumas dúvidas restassem, dissiparam-se por completo naquela noite.
A sala estava envergonhada e longe de lotada o que me fez lamentar por saber que na minha cidade natal e na região circundante, nem sempre sabemos merecer aquilo a que temos direito.
Paulo Furtado, vocalista e mentor, fundador dos extintos e já míticos Tédio Boys, também conhecido como o “Lendário Homem-Tigre” (traduzindo o intraduzível), entrou sorrateiro e abriu caminho aos comparsas que se lhe juntaram numa entrada de luxo com “Gambling Man”. Dirigindo-se aos presentes, libertou-nos das amarras e da tortura de permanecermos sentados e convidou-nos a tomar a dianteira, quebrando o gelo e todos os protocolos.
Os bem esgalhados “Keep on Prayin’” e “Love is My New Drug” desfilaram já a escassos centímetros dos nossos olhos, com a respiração e a trepidação ao rubro. Os espasmos sónicos deram então lugar ao belíssimo “Hula Hoop Woman” que me foi dedicado num gesto que muito me honrou e se explica pela ligação que a banda tem a Marvão, onde compôs este seu último trabalho, numa resposta a um convite /desafio que lhes lancei quando foram cabeças-de-cartaz do primeiro “Marvão Rockfest”.
De seguida, Selma Uamusse disse “No more, My Lord”, numa interpretação de arrepiar, sobretudo quando assim tão perto, espalhando pela sala uma vibração gospel directa do delta do Mississipi. “Everything’s Gonna Be Ok”, “She’s a Go-Go Dancer” (o hit dançável) e o emblemático “Drunk or Stoned” incendiaram os mais renitentes e por esta altura, mesmo os mais envergonhados, mal podiam aceitar a sua condição sentada.
De seguida, desfilou “Lady Luck” e durante “ Work me Out”, o momento da noite… A rapaziada da organização não parava quieta porque a proximidade e a vibração do pessoal junto ao palco estavam a desconjuntar a parte da frente da boca de cena. Quanto mais teimavam em encaixar os suportes de madeira, mais depressa eles tombavam para a frente até que um mais afoito, foi encostando a malta aos assentos, interditando a presença na parte frontal. Furtado, como um verdadeiro mestre de cerimónias, interrompe a locomotiva sonora e questiona o excesso de zelo do funcionário:
“O que é que se passa?”, perguntou perante a gargalhada geral.
“Não podem estar aqui”, respondeu o moço, atrapalhado.
“Ai não? Então e porquê?”.
“Olhe, porque há aqui uns motores debaixo e isto está sempre a cair…”
“Ai sim? Não podem estar aí, é?”
“Não”.
“Então bute cá pra cima!” e lá vai a malta toda pró meio dos músicos dançar e cantar e gritar as “Love Letters From a Muthafucka” como eu nunca as sonhei.
No meio de toda aquela loucura, quando provavelmente já havia mais gente em cima do palco que nas cadeiras, Furtado pede um uísque que lhe sirvo sem gelo e partilha a garrafa de Jameson (patrocinador oficial), com o gang em volta. Por esta altura, pisando cabos, pergunto ao baixista Sérgio Cardoso se estou ali bem, ao que me responde “Tu? Estás! E eu? Estou bem?”, deixando-me mesmo sem resposta. Com órgãos, vozes, pratos, guitarras, congas e baterias em alta velocidade, sinto-me como um puto na entrada da Disneylândia e mal me consigo manter firme de tanto andamento.
Descemos de novo para uma “All Night Long” que foi mesmo de extensa desbunda com Furtado a saltar do palco, a dançar entre a maralha, a inventar solos dedilhados, a trepar por cima das cadeiras até à mesa de som e a regressar em voo ao palco para terminar em glória bem no alto do equipamento, onde emborcou de penálti o que restava na garrafa.
As palmas e os assobias pediram um encore que começou com umas fantasmagóricas e hipnotizantes “Rusty Ways”, desfiou o “Ain’t it Nice?” de abertura de “Shangri-la” e terminou em apoteose com “You Really Got Me”, um original dos Kinks, de 1964 que foi a cereja que coroou este delicioso bolo de creme e natas.
Fuckin’ Amazing!
Subi as escadas com as pernas ainda a darem de si mas a tempo de assistir à sessão de Dj de Furtado e Francisco Correia, o manipulador sonoro de serviço, na qual desfilaram glórias desta música tão velha mas sempre eternamente nova. Tempo para Cash, Chuck Berry e outras lendas já finadas que não entram nos gostos refinados das batucadas que agora tomaram conta das pistas de dança.
Notas soltas mas imprescindíveis para a fabulosa secção rítmica de Pedro Pinto (sempre simpático, afável e humilde) e João Doce (o meu muy estimado quinto, também nascido em 73 e que não esqueceu o champanhe que bebemos na Portagem, creio que no seu aniversário!); e “last but not least” para as poderosas Selma e Raquel Ralha com uma voz, um classe, um estilo e uma qualidade absolutamente esmagadoras. Talento e sensualidade de fazerem corar qualquer Bond girl. Delirantes!
E assim, fazendo aqui um pouco o papel de Victor Gomes, dos Gatos Negros, o cicerone para o vídeo de “Go-Go Dancer”… e assim, dizia eu, meninos e meninas, se escreve esta página gloriosa dos serões musicais da nossa cidade.
Meus estimados, valeu mesmo tanto a pena.
Aos Wraygunn, digo aquilo que escrevi há dias num sms ao Paulo, quando pela primeira vez tive o disco nas minhas mãos: “Muita força, muita luz e que a estrela-guia do Rock vos proteja sempre porque vocês merecem!”
Hell Yeah!
Apesar do delay, prometi a mim próprio que esta memória não havia de me escapar e deveria sobreviver nem que fosse para plasmar para a posteridade a magnificência deste notável episódio que tive a honra de presenciar.
Tudo isto acerca do concerto de Sexta-Feira no Centro de Artes do Espectáculo de Portalegre, integrado na tournée nacional dos Wraygunn, promovendo o seu último trabalho, “Shangri-La”.
Para reencontrar o fio que me há-de levar a esta meada dourada, viajo no tempo e recordo o percurso de regresso a casa, ainda mal refeito das tantas emoções vividas.
Aqueles que fizeram a si próprios o favor de não perder este programa, compreender-me-ão certamente quando digo que aquele ovni que trespassou as nossas vidas não foi um concerto mas antes mais uma celebração da música em todo o seu deslumbrante e infinito esplendor.
Começo com um postulado incontornável: os Wraygunn são a mais diabólica e demolidora máquina de rock’n’roll que estas terras lusas pariram um dia e se algumas dúvidas restassem, dissiparam-se por completo naquela noite.
A sala estava envergonhada e longe de lotada o que me fez lamentar por saber que na minha cidade natal e na região circundante, nem sempre sabemos merecer aquilo a que temos direito.
Paulo Furtado, vocalista e mentor, fundador dos extintos e já míticos Tédio Boys, também conhecido como o “Lendário Homem-Tigre” (traduzindo o intraduzível), entrou sorrateiro e abriu caminho aos comparsas que se lhe juntaram numa entrada de luxo com “Gambling Man”. Dirigindo-se aos presentes, libertou-nos das amarras e da tortura de permanecermos sentados e convidou-nos a tomar a dianteira, quebrando o gelo e todos os protocolos.
Os bem esgalhados “Keep on Prayin’” e “Love is My New Drug” desfilaram já a escassos centímetros dos nossos olhos, com a respiração e a trepidação ao rubro. Os espasmos sónicos deram então lugar ao belíssimo “Hula Hoop Woman” que me foi dedicado num gesto que muito me honrou e se explica pela ligação que a banda tem a Marvão, onde compôs este seu último trabalho, numa resposta a um convite /desafio que lhes lancei quando foram cabeças-de-cartaz do primeiro “Marvão Rockfest”.
De seguida, Selma Uamusse disse “No more, My Lord”, numa interpretação de arrepiar, sobretudo quando assim tão perto, espalhando pela sala uma vibração gospel directa do delta do Mississipi. “Everything’s Gonna Be Ok”, “She’s a Go-Go Dancer” (o hit dançável) e o emblemático “Drunk or Stoned” incendiaram os mais renitentes e por esta altura, mesmo os mais envergonhados, mal podiam aceitar a sua condição sentada.
De seguida, desfilou “Lady Luck” e durante “ Work me Out”, o momento da noite… A rapaziada da organização não parava quieta porque a proximidade e a vibração do pessoal junto ao palco estavam a desconjuntar a parte da frente da boca de cena. Quanto mais teimavam em encaixar os suportes de madeira, mais depressa eles tombavam para a frente até que um mais afoito, foi encostando a malta aos assentos, interditando a presença na parte frontal. Furtado, como um verdadeiro mestre de cerimónias, interrompe a locomotiva sonora e questiona o excesso de zelo do funcionário:
“O que é que se passa?”, perguntou perante a gargalhada geral.
“Não podem estar aqui”, respondeu o moço, atrapalhado.
“Ai não? Então e porquê?”.
“Olhe, porque há aqui uns motores debaixo e isto está sempre a cair…”
“Ai sim? Não podem estar aí, é?”
“Não”.
“Então bute cá pra cima!” e lá vai a malta toda pró meio dos músicos dançar e cantar e gritar as “Love Letters From a Muthafucka” como eu nunca as sonhei.
No meio de toda aquela loucura, quando provavelmente já havia mais gente em cima do palco que nas cadeiras, Furtado pede um uísque que lhe sirvo sem gelo e partilha a garrafa de Jameson (patrocinador oficial), com o gang em volta. Por esta altura, pisando cabos, pergunto ao baixista Sérgio Cardoso se estou ali bem, ao que me responde “Tu? Estás! E eu? Estou bem?”, deixando-me mesmo sem resposta. Com órgãos, vozes, pratos, guitarras, congas e baterias em alta velocidade, sinto-me como um puto na entrada da Disneylândia e mal me consigo manter firme de tanto andamento.
Descemos de novo para uma “All Night Long” que foi mesmo de extensa desbunda com Furtado a saltar do palco, a dançar entre a maralha, a inventar solos dedilhados, a trepar por cima das cadeiras até à mesa de som e a regressar em voo ao palco para terminar em glória bem no alto do equipamento, onde emborcou de penálti o que restava na garrafa.
As palmas e os assobias pediram um encore que começou com umas fantasmagóricas e hipnotizantes “Rusty Ways”, desfiou o “Ain’t it Nice?” de abertura de “Shangri-la” e terminou em apoteose com “You Really Got Me”, um original dos Kinks, de 1964 que foi a cereja que coroou este delicioso bolo de creme e natas.
Fuckin’ Amazing!
Subi as escadas com as pernas ainda a darem de si mas a tempo de assistir à sessão de Dj de Furtado e Francisco Correia, o manipulador sonoro de serviço, na qual desfilaram glórias desta música tão velha mas sempre eternamente nova. Tempo para Cash, Chuck Berry e outras lendas já finadas que não entram nos gostos refinados das batucadas que agora tomaram conta das pistas de dança.
Notas soltas mas imprescindíveis para a fabulosa secção rítmica de Pedro Pinto (sempre simpático, afável e humilde) e João Doce (o meu muy estimado quinto, também nascido em 73 e que não esqueceu o champanhe que bebemos na Portagem, creio que no seu aniversário!); e “last but not least” para as poderosas Selma e Raquel Ralha com uma voz, um classe, um estilo e uma qualidade absolutamente esmagadoras. Talento e sensualidade de fazerem corar qualquer Bond girl. Delirantes!
E assim, fazendo aqui um pouco o papel de Victor Gomes, dos Gatos Negros, o cicerone para o vídeo de “Go-Go Dancer”… e assim, dizia eu, meninos e meninas, se escreve esta página gloriosa dos serões musicais da nossa cidade.
Meus estimados, valeu mesmo tanto a pena.
Aos Wraygunn, digo aquilo que escrevi há dias num sms ao Paulo, quando pela primeira vez tive o disco nas minhas mãos: “Muita força, muita luz e que a estrela-guia do Rock vos proteja sempre porque vocês merecem!”
Hell Yeah!
Nota: Só para verem o nível... a pérola que é o spot promocional da tournée 2008. Muito à frente!
2 comentários:
yeaaahh!! it's only rock'n'roll, but I like it!
'extrodinário!
abraço
EM CONTRA MÃO…
Tenho assistido por aqui calado, às diversas opiniões sobre estas coisas dos problemas educacionais.
Desde as histórias tenebrosas dos “telelemóbeis”, a determinadas “formas de exercer a paternidade” (diga-se serem bons pais…), com os sempre convenientes elogios e incentivos das correntes dominantes educacionais da treta, e outras coisas que por aqui se vão dizendo.
Não posso deixar de elogiar o texto de opinião do António Barreto, que o Luís aqui nos trouxe em boa hora.
Quem sabe faz a diferença…
Estou farto de dizer aos meus amigos, que a menina mais “bonita” do mundo é a minha filha…
Mas não sei se ela pensará que eu sou o melhor pai do mundo, e isso, também nunca me preocupou, oxalá, ela, possa ser uma boa filha.
Sempre tive dois objectivos principais sobre ela:
- Trazê-la (ou contribuir) a este mundo.
- Fazer os possíveis para que ela pense pela cabeça dela.
Não lhe dei muito mais, mas sinto-me orgulhoso.
Daniel Sampaio escreveu “inventem-se novos pais”… talvez fosse bom que se INVENTASSEM NOVOS FILHOS!
Deixo aqui um testemunho que me foi enviado, para vossa reflexão.
A DEVIDA COMÉDIA!
Miguel Carvalho
Um dia destes, vão ser os paizinhos a ir parar ao hospital com um pontapé e um murro das criancinhas no olho esquerdo…
Criancinhas
“A criancinha quer Playstation. A gente dá.
A criancinha quer estrangular o gato. A gente deixa.
A criancinha berra porque não quer comer a sopa. A gente elimina-a da ementa e acaba tudo em festim de chocolate.
A criancinha quer bife e batatas fritas. Hambúrgueres muitos. Pizzas, umas tantas. Coca-Colas, às litradas. A gente olha para o lado e ela incha.
A criancinha quer camisola adidas e ténis nike. A gente dá porque a criancinha tem tanto direito como os colegas da escola e é perigoso ser diferente. A criancinha quer ficar a ver televisão até tarde. A gente senta-a ao nosso lado no sofá e passa-lhe o comando.
A criancinha desata num berreiro no restaurante. A gente faz de conta e o berreiro continua.
Entretanto, a criancinha cresce. Faz-se projecto de homem ou mulher.
Desperta.
É então que a criancinha, já mais crescida, começa a pedir mesada, semanada, diária. E gasta metade do orçamento familiar em saídas, roupa da moda, jantares e bares.
A criancinha já estuda. Às vezes passa de ano, outras nem por isso. Mas não se pode pressioná-la porque ela já tem uma vida stressante, de convívio em convívio e de noitada em noitada.
A criancinha cresce a ver Morangos com Açúcar, cheia de pinta e tal, e torna-se mais exigente com os papás. Agora, já não lhe basta que eles estejam por perto. Convém que se comecem a chegar à frente na mota, no popó e numas férias à maneira.
A criancinha, entregue aos seus desejos e sem referências, inicia o processo de independência meramente informal.
A rebeldia é de trazer por casa. Responde torto aos papás, põe a avó em sentido, suja e não lava, come e não limpa, desarruma e não arruma, as tarefas domésticas são «uma seca».
Um dia, na escola, o professor dá-lhe um berro, tenta em cinco minutos pôr nos eixos a criancinha que os papás abandonaram à sua sorte, mimo e umbiguismo. A criancinha, já crescidinha, fica traumatizada. Sente-se vítima de violência verbal e etc e tal.
E m casa, faz queixinhas, lamenta-se, chora. Os papás, arrepiados com a violência sobre as criancinhas de que a televisão fala e na dúvida entre a conta de um eventual psiquiatra e o derreter do ordenado em folias de hipermercado, correm para a escola e espetam duas bofetadas bem dadas no professor «que não tem nada que se armar em paizinho, pois quem sabe do meu filho sou eu».
A criancinha cresce.
Cresce e cresce. Aos 30 anos, ainda será criancinha, continuará a viver na casa dos papás, a levar a gorda fatia do salário deles.
Provavelmente, não terá um emprego. «Mas ao menos não anda para aí a fazer porcarias».
Não é este um fiel retrato da realidade dos bairros sociais, das escolas em zonas problemáticas, das famílias no fio da navalha?
Pois não, bem sei. Estou apenas a antecipar-me. Um dia destes, vão ser os paizinhos a ir parar ao hospital com um pontapé e um murro das criancinhas no olho esquerdo.
E então…teremos muitos congressos e debates para nos entretermos!”
João Bugalhão
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