Com Ricardo Antunes no som; Blé na voz; Né Prata, Cristiano Semedo e Quim Barreto nas guitarras e Sobreiro na tarola
Vivi um dia muito feliz, sábado passado, quando me desloquei a Castelo Branco para representar o meu pai (conjuntamente com a mãe, mano, tias e demais família), na homenagem da cidade aos Cometas Negros. Quarenta anos depois, os jovens que foram autênticos porta-estandartes de uma geração reuniram-se para um reconhecimento público que mobilizou toda a cidade.
Com organização da Rádio Urbana e da Associação dos Antigos Alunos, devidamente apoiada pela Câmara Municipal e pela Junta de Freguesia local, a homenagem começou com uma simpática visita por uma cidade que cresceu de forma gigantesca e que parece a anos-luz da de então. Conhecendo um mundo novo através da vidraça do autocarro, os artistas e seus familiares, simpaticamente guiados pelo Eugénio “dos Vampiros”, puderam assim constatar o enorme salto de uma urbe que duplicou entretanto a sua população.
Seguiu-se uma simples mas muito sincera e emocionada sessão de homenagem no salão nobre dos paços do concelho da cidade, com a presença do presidente Joaquim Morão e toda a vereação, onde não faltaram a televisão, as rádios, os jornais locais e muitos, muitos amigos.
Na impossibilidade da sua comparência, tive aí então oportunidade de proferir algumas palavras de homenagem ao meu pai, e foi com muita alegria que soube que bateram fundo nos que ali estavam e o conheciam, pelos amáveis comentários que me dirigiram após o acto.
Depois do uso da palavra do sr. presidente, cada Cometa foi agraciado com duas obras literárias editadas pela Câmara e após o término da cerimónia, os agraciados reuniram-se num agradável almoço típico no restaurante Kalifa.
À noite e já com carácter público, mais de duzentos convivas juntaram-se num jantar-homenagem realizado no restaurante Varanda das Estevas. Sala composta com muita, muita gente que se percebia que não se revia há muito e depois do manjar, aconteceu o regresso glorioso aos palcos do colectivo, com todos os músicos das diversas formações num performance que levou ao delírio as muitas raparigas presentes no espaço, ao som de êxitos dos Shadows, Elvis Presley, Beatles e outros artistas de renome da época.
Aconteceu nesse jantar um dos pontos mais fortes da jornada, quando recebi, das mãos do próprio Joaquim Morão, a carteira profissional de músico do meu pai que foi guardada durante todos estes anos pelo seu empresário Pedro Rodrigues, com a particularidade de na mesma constar como “baterista de Jazz”.
Perguntou-me um jornalista que estava presente, o que é que este dia representava para mim e eu perguntei-me como é que consegui passar por tudo aquilo sem deixar que a emoção tomasse conta de mim. Foi mesmo muita emoção, de tão intensa e durante todo o dia, com o sentimento a galopar em cada minuto que passava.
Imaginei-o diversas vezes a entrar por aquelas portas no seu jeito único de andar, com os Ray Ban verdes a dançarem por cima do bigode. Imaginei-me ali a assistir aos beijos e os abraços, ao calor imenso que receberia. Os tantos beijos e abraços que me deram e que sei que eram para ele, que eu recebi em seu nome mas que sei que jamais poderei corresponder.
Com organização da Rádio Urbana e da Associação dos Antigos Alunos, devidamente apoiada pela Câmara Municipal e pela Junta de Freguesia local, a homenagem começou com uma simpática visita por uma cidade que cresceu de forma gigantesca e que parece a anos-luz da de então. Conhecendo um mundo novo através da vidraça do autocarro, os artistas e seus familiares, simpaticamente guiados pelo Eugénio “dos Vampiros”, puderam assim constatar o enorme salto de uma urbe que duplicou entretanto a sua população.
Seguiu-se uma simples mas muito sincera e emocionada sessão de homenagem no salão nobre dos paços do concelho da cidade, com a presença do presidente Joaquim Morão e toda a vereação, onde não faltaram a televisão, as rádios, os jornais locais e muitos, muitos amigos.
Na impossibilidade da sua comparência, tive aí então oportunidade de proferir algumas palavras de homenagem ao meu pai, e foi com muita alegria que soube que bateram fundo nos que ali estavam e o conheciam, pelos amáveis comentários que me dirigiram após o acto.
Depois do uso da palavra do sr. presidente, cada Cometa foi agraciado com duas obras literárias editadas pela Câmara e após o término da cerimónia, os agraciados reuniram-se num agradável almoço típico no restaurante Kalifa.
À noite e já com carácter público, mais de duzentos convivas juntaram-se num jantar-homenagem realizado no restaurante Varanda das Estevas. Sala composta com muita, muita gente que se percebia que não se revia há muito e depois do manjar, aconteceu o regresso glorioso aos palcos do colectivo, com todos os músicos das diversas formações num performance que levou ao delírio as muitas raparigas presentes no espaço, ao som de êxitos dos Shadows, Elvis Presley, Beatles e outros artistas de renome da época.
Aconteceu nesse jantar um dos pontos mais fortes da jornada, quando recebi, das mãos do próprio Joaquim Morão, a carteira profissional de músico do meu pai que foi guardada durante todos estes anos pelo seu empresário Pedro Rodrigues, com a particularidade de na mesma constar como “baterista de Jazz”.
Perguntou-me um jornalista que estava presente, o que é que este dia representava para mim e eu perguntei-me como é que consegui passar por tudo aquilo sem deixar que a emoção tomasse conta de mim. Foi mesmo muita emoção, de tão intensa e durante todo o dia, com o sentimento a galopar em cada minuto que passava.
Imaginei-o diversas vezes a entrar por aquelas portas no seu jeito único de andar, com os Ray Ban verdes a dançarem por cima do bigode. Imaginei-me ali a assistir aos beijos e os abraços, ao calor imenso que receberia. Os tantos beijos e abraços que me deram e que sei que eram para ele, que eu recebi em seu nome mas que sei que jamais poderei corresponder.
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Por não estar habituado, fiquei surpreso e extasiado por ter ouvido de tantas bocas que me achavam um decalque dele, pela fisionomia e pela forma de estar, que estavam a falar comigo e lhe parecia estarem perante o Sobreiro que conheceram na minha idade. Houve aliás diversas pessoas que nunca me viram e me saudaram de imediato tratando com a familiaridade de quem conheciam há décadas. Vai-me levar muito tempo a digerir tantos afectos. A todos eles, os que me fizeram sentir como se fosse filho de um próprio Beatle… bem hajam. Jamais vos poderei agradecer.
Modéstia aparte, acredito que os Cometas são um fenómeno que merece um estudo sociológico pela extensão do seu impacto. Os Cometas não foram apenas um grupo de jovens que tocavam êxitos da época. Os Cometas foram muito mais que isso e disso me apercebi bem neste dia tão intenso. Os Cometas foram um elemento aglutinador da juventude, foram uma semente de revolta num Estado policial e repreensivo, foram uma manifestação cultural que mudou a vida e a forma de estar no mundo de todos aqueles que os conheciam, foram percursores de um modelo de gestão musical inovador para a época, foram embaixadores de toda uma cidade e apenas não singraram numa carreira internacional porque lá fora havia um guerra que não compreendiam e foi fundamental na sua desagregação. Até nisso foram importantes, por serem o espelho de um sentir de então. Se a tudo isto juntarmos a vasta memorabilia disponível (muita dela exposta nas paredes do restaurante e inclui posters, fotos, cartazes, bilhetes, contratos e muitos outros elementos)… é ouro sobre azul.
E depois, gostei tanto de os conhecer e ouvir todas aquelas histórias que me contaram. São tão boa gente e senti-me tão próximo deles, sem nunca os ter visto… que não encontro explicação. Adorei saber como tinham um código interno de conduta que limitava os excessos e o grau de rebeldia; adorei conhecer os que nunca tinha visto sequer em foto; adorei saber como o meu pai foi aceite depois da saída do Pelejão, por andar sempre a tocar bateria nas mesas dos cafés com tudo aquilo que apanhava à mão; adorei constatar a veracidade de algumas histórias que hoje são para mim sagradas; adorei saber das loucas digressões algarvias repletas de música, jogo e namoradas inglesas; amei tanto tudo que parece que também estava lá.
A todos eles, pela emoção que lhes enchia os olhos de cada vez que falavam no Sobreiro, em nome dele… o meu bem hajam. Eu sei o quanto ele ia adorar tudo.
Não resisto a plasmar para a posteridade um desses episódios que me foi contado pelo vocalista Blé, uma classe de homem, assim que nos conhecemos. “Certo dia fomos tocar a um baile em Alcains. Chegámos lá e sentamo-nos na sala. O teu pai, com aquele ar dele, começou a observar tudo o que se passava em volta e em particular, numa miúda que parecia a princesa do sítio, toda prendada com um avental branquinho. Os da terra tratavam-na por “bébé”. “ò bébé para cá”, “ò bébé para lá”, era tudo e mais alguma coisa e ela a andar de um lado para o outro, bem à nossa frente, passeando-se. A dada altura o bom do Sobreiro abriu a boca e dirigindo-se a ela disse-lhe: “ò bébé… traz-me um tinto!”.
É uma história que se conta em 5 linhas mas que tem o espírito do Sobreiro todo lá dentro… irreverente, genuíno, granjeando estilo onde muitos não almejariam o banal e o brejeiro. Rápido, preciso, curto e conciso.
Saudades, meu velho! Vão por ti…
Por não estar habituado, fiquei surpreso e extasiado por ter ouvido de tantas bocas que me achavam um decalque dele, pela fisionomia e pela forma de estar, que estavam a falar comigo e lhe parecia estarem perante o Sobreiro que conheceram na minha idade. Houve aliás diversas pessoas que nunca me viram e me saudaram de imediato tratando com a familiaridade de quem conheciam há décadas. Vai-me levar muito tempo a digerir tantos afectos. A todos eles, os que me fizeram sentir como se fosse filho de um próprio Beatle… bem hajam. Jamais vos poderei agradecer.
Modéstia aparte, acredito que os Cometas são um fenómeno que merece um estudo sociológico pela extensão do seu impacto. Os Cometas não foram apenas um grupo de jovens que tocavam êxitos da época. Os Cometas foram muito mais que isso e disso me apercebi bem neste dia tão intenso. Os Cometas foram um elemento aglutinador da juventude, foram uma semente de revolta num Estado policial e repreensivo, foram uma manifestação cultural que mudou a vida e a forma de estar no mundo de todos aqueles que os conheciam, foram percursores de um modelo de gestão musical inovador para a época, foram embaixadores de toda uma cidade e apenas não singraram numa carreira internacional porque lá fora havia um guerra que não compreendiam e foi fundamental na sua desagregação. Até nisso foram importantes, por serem o espelho de um sentir de então. Se a tudo isto juntarmos a vasta memorabilia disponível (muita dela exposta nas paredes do restaurante e inclui posters, fotos, cartazes, bilhetes, contratos e muitos outros elementos)… é ouro sobre azul.
E depois, gostei tanto de os conhecer e ouvir todas aquelas histórias que me contaram. São tão boa gente e senti-me tão próximo deles, sem nunca os ter visto… que não encontro explicação. Adorei saber como tinham um código interno de conduta que limitava os excessos e o grau de rebeldia; adorei conhecer os que nunca tinha visto sequer em foto; adorei saber como o meu pai foi aceite depois da saída do Pelejão, por andar sempre a tocar bateria nas mesas dos cafés com tudo aquilo que apanhava à mão; adorei constatar a veracidade de algumas histórias que hoje são para mim sagradas; adorei saber das loucas digressões algarvias repletas de música, jogo e namoradas inglesas; amei tanto tudo que parece que também estava lá.
A todos eles, pela emoção que lhes enchia os olhos de cada vez que falavam no Sobreiro, em nome dele… o meu bem hajam. Eu sei o quanto ele ia adorar tudo.
Não resisto a plasmar para a posteridade um desses episódios que me foi contado pelo vocalista Blé, uma classe de homem, assim que nos conhecemos. “Certo dia fomos tocar a um baile em Alcains. Chegámos lá e sentamo-nos na sala. O teu pai, com aquele ar dele, começou a observar tudo o que se passava em volta e em particular, numa miúda que parecia a princesa do sítio, toda prendada com um avental branquinho. Os da terra tratavam-na por “bébé”. “ò bébé para cá”, “ò bébé para lá”, era tudo e mais alguma coisa e ela a andar de um lado para o outro, bem à nossa frente, passeando-se. A dada altura o bom do Sobreiro abriu a boca e dirigindo-se a ela disse-lhe: “ò bébé… traz-me um tinto!”.
É uma história que se conta em 5 linhas mas que tem o espírito do Sobreiro todo lá dentro… irreverente, genuíno, granjeando estilo onde muitos não almejariam o banal e o brejeiro. Rápido, preciso, curto e conciso.
Saudades, meu velho! Vão por ti…
Grande beijo ao Miguel, à Alzira, à Cris, à Cali, à Bia, à Fatinha, ao Carlos. Estando juntos, estamos com ele.
Valeu!
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Da direita para a esquerda: com Né Prata, Cristiano Semedo, Blé e Camilo
Da direita para a esquerda: Blé, Né Prata, Cristiano, Quim Barreto, Cordas e Camilo
Imagem com Pedro Rodrigues (manager) e Jorge Sebastião (um dos fundadores)
Discursando no salão nobre da Câmara Municipal, durante a sessão solene presidida por Joaquim Morão, ladeado na tribuna pela Prof. Celeste Capelo da Associação de Antigos Alunos e por Ricardo Antunes da Rádio Urbana, os dois organizadores da homenagem
Admirando o Wall of Fame da memorabilia
Carteira Profissional do Sindicato Nacional dos Músicos do "baterista de Jazz" João Sobreiro
A formação entre 64 e 67
Da direita para a esquerda: Blé, Né Prata, Cristiano, Quim Barreto, Cordas e Camilo
Imagem com Pedro Rodrigues (manager) e Jorge Sebastião (um dos fundadores)
Discursando no salão nobre da Câmara Municipal, durante a sessão solene presidida por Joaquim Morão, ladeado na tribuna pela Prof. Celeste Capelo da Associação de Antigos Alunos e por Ricardo Antunes da Rádio Urbana, os dois organizadores da homenagem
Admirando o Wall of Fame da memorabilia
Carteira Profissional do Sindicato Nacional dos Músicos do "baterista de Jazz" João Sobreiro
A formação entre 64 e 67
Cartaz da famosa Kon-Ti-Ki do Hotel de Faro. Passe uma noite agradável entre as 22h e as 4h, na companhia dos Cometas...
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Cometas Negros, ao vivo e em directo tocando cover do "Apache" dos Shadows
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Discurso proferido no Salão Nobre dos Paços do Concelho da Câmara Municipal de Castelo Branco, na sessão solene realizada a 15 de Novembro de 2008
Muito boa tarde. O meu nome é Pedro, sou filho do João Sobreiro, baterista dos Cometas Negros, entre os anos 64 e 67, e é com muita emoção que me encontro aqui em sua representação.
O meu pai nunca foi homem de saudosismos, quem gostasse de falar ou de olhar para o passado. Ainda assim, deixou, num ou noutro momento, escapar algumas histórias, alguns episódios que eu captei com o gosto e a atenção de um coleccionador dedicado. Dos Cometas soube sempre mais pelos amigos, por aqueles que o reencontravam e o brindavam com um “lembraste daquela vez em que…?”.
A procura de uma situação profissional mais estável fez com que a minha família tivesse seguido o percurso inverso de quase todas as outras que durante todo o século XX se deslocaram do campo para as cidades, em busca de melhores condições de vida. Paralelamente a essa movimentação singular, da cidade de Castelo Branco para a pequeníssima aldeia da Beirã, no concelho de Marvão, a 80 quilómetros ou cerca de 1 hora de distância, foi-se instalando um processo de luto mental, de mágoa silenciosa por se ter deixado para trás toda uma vivência, um rol de amizades, um passado e um estatuto construído em anos. Por ser tão difícil falar nesses tempos felizes passados na escola e no liceu, nos bailes e matinés adolescentes, compreendi sempre quando a vontade calou e procurei refrear a avidez da minha curiosidade.
Os Cometas Negros eram a pedra mais preciosa e reluzente deste legado emocional e para mim constituíram desde sempre uma autêntica entidade mítica com carácter de lenda, que acalentei com recurso a duas ou três fotos e um ou outro relato coleccionado religiosamente com uma devoção fervorosa. O solo de bateria durante o corte de energia no concurso do Monumental que conheci pelo Frederico, em Idanha; as noites loucas dos Carnavais da Serra da Estrela, as actuações e estadas no Casino de Montegordo, são achas para essa fogueira da memória com cuja veracidade nunca me preocupei, passando antes a chamá-las de minhas, com a fé de uma criança que pendura na lareira a peúga que espera por um Pai Natal, que sabe que dorme no quarto ao lado.
Eu sei que o Sobreiro foi sempre muito mais a atitude que o músico. Eu sei que o Sobreiro valia sobretudo pela pose, pela forma mágica como transformava a mais banal das coisas num motivo de gargalhada geral, pela graça natural, pelo jeito desengonçado, pelo generoso conceito de amizade, pelos timings acertados, por ser alguém ao pé de quem se estava sempre bem.
Não têm conta as vezes que lhe pedi que me ensinasse a tocar naquela guitarra que quase sempre o acompanhava e lhe granjeou fama e estatuto boémio em paragens alentejanas. Nos jantares e petiscos, em serões de amigos ou nos convívios da caça, nos saraus e nos compadres, cresci ao seu lado vendo-o brilhar e animar com arte os convivas que por ele se deixavam embalar. Haveria de perceber, anos mais tarde, que nunca me chegou a ensinar porque o que sabia nascia dele e para ele era, por não ter escalas, nem notas e por ser pessoal e intransmissível e ainda bem que assim ficou por ser irrepetível.
Não herdei a habilidade musical mas cresceu certamente dentro de mim a semente da música, sem a qual não consigo conceber a existência pela importância das melodias e das mensagens no meu viver. A música ajuda-nos a pensar, a crescer, a divertir, a socializar, a seguir em frente. Quantas vezes foi “aquela” música, que pensámos escrita só para nós, que nos ajudou a dar o salto, a arranjar coragem, a ser bem sucedidos? É por ela que estamos também aqui.
A vida levou-o cedo demais, ainda antes de cumprir 50 e destrocou-nos irremediavelmente a todos os que o amávamos, ao roubar-nos a alegria imensa da sua presença. Com ele partiu uma palheta de uma guitarra dos Cometas e nem aí se separaram…
Há dias dei por mim a pensar que se a morte, por absurdo e em abstracto, permitisse regressos precários à vida, como se praticam nas prisões de hoje em dia, gastaria agora certamente um dos créditos.
Apesar de tudo e por duro que seja, como diziam os Beatles no “Obla-di, Obla-da”… “life goes on” e para além disso… nada nos resta.
Gostaria de agradecer, em nome de toda a família presente, aos percursores que idealizaram e levaram a cabo este reencontro; à Câmara Municipal de Castelo Branco, na presença do seu ilustre presidente Joaquim Morão pela amável recepção desta manhã; a todos os Cometas, por se terem lembrado de nós e pelo esforço, de milhares de quilómetros, nalguns dos casos, para estarem aqui connosco, sobretudo àquele de quem me encontro mais próximo, pela via das novas tecnologias, o meu estimado Manuel Prata; e finalmente a todos vós, que estão aqui desfrutando connosco.
Acredito profundamente que a vida não termina quando o corpo morre. Os homens perpetuam-se enquanto houver quem os recorde, sobretudo quando acompanhados deste carinho e desta saudade. Obrigado por o manterem vivo. Eu sei que mais uma vez, não nos vai falhar, e vai estar lá atrás, em espírito, “malhando” na tarola, no bombo e nos pratos por todos nós, quando soarem os primeiros acordes.
Bem hajam, por me terem feito tão feliz.
Ao meu cometa, tão brilhante, quanto fugaz… eu sei que vais estar lá sempre por nós.
Grande abraço…
Muito boa tarde. O meu nome é Pedro, sou filho do João Sobreiro, baterista dos Cometas Negros, entre os anos 64 e 67, e é com muita emoção que me encontro aqui em sua representação.
O meu pai nunca foi homem de saudosismos, quem gostasse de falar ou de olhar para o passado. Ainda assim, deixou, num ou noutro momento, escapar algumas histórias, alguns episódios que eu captei com o gosto e a atenção de um coleccionador dedicado. Dos Cometas soube sempre mais pelos amigos, por aqueles que o reencontravam e o brindavam com um “lembraste daquela vez em que…?”.
A procura de uma situação profissional mais estável fez com que a minha família tivesse seguido o percurso inverso de quase todas as outras que durante todo o século XX se deslocaram do campo para as cidades, em busca de melhores condições de vida. Paralelamente a essa movimentação singular, da cidade de Castelo Branco para a pequeníssima aldeia da Beirã, no concelho de Marvão, a 80 quilómetros ou cerca de 1 hora de distância, foi-se instalando um processo de luto mental, de mágoa silenciosa por se ter deixado para trás toda uma vivência, um rol de amizades, um passado e um estatuto construído em anos. Por ser tão difícil falar nesses tempos felizes passados na escola e no liceu, nos bailes e matinés adolescentes, compreendi sempre quando a vontade calou e procurei refrear a avidez da minha curiosidade.
Os Cometas Negros eram a pedra mais preciosa e reluzente deste legado emocional e para mim constituíram desde sempre uma autêntica entidade mítica com carácter de lenda, que acalentei com recurso a duas ou três fotos e um ou outro relato coleccionado religiosamente com uma devoção fervorosa. O solo de bateria durante o corte de energia no concurso do Monumental que conheci pelo Frederico, em Idanha; as noites loucas dos Carnavais da Serra da Estrela, as actuações e estadas no Casino de Montegordo, são achas para essa fogueira da memória com cuja veracidade nunca me preocupei, passando antes a chamá-las de minhas, com a fé de uma criança que pendura na lareira a peúga que espera por um Pai Natal, que sabe que dorme no quarto ao lado.
Eu sei que o Sobreiro foi sempre muito mais a atitude que o músico. Eu sei que o Sobreiro valia sobretudo pela pose, pela forma mágica como transformava a mais banal das coisas num motivo de gargalhada geral, pela graça natural, pelo jeito desengonçado, pelo generoso conceito de amizade, pelos timings acertados, por ser alguém ao pé de quem se estava sempre bem.
Não têm conta as vezes que lhe pedi que me ensinasse a tocar naquela guitarra que quase sempre o acompanhava e lhe granjeou fama e estatuto boémio em paragens alentejanas. Nos jantares e petiscos, em serões de amigos ou nos convívios da caça, nos saraus e nos compadres, cresci ao seu lado vendo-o brilhar e animar com arte os convivas que por ele se deixavam embalar. Haveria de perceber, anos mais tarde, que nunca me chegou a ensinar porque o que sabia nascia dele e para ele era, por não ter escalas, nem notas e por ser pessoal e intransmissível e ainda bem que assim ficou por ser irrepetível.
Não herdei a habilidade musical mas cresceu certamente dentro de mim a semente da música, sem a qual não consigo conceber a existência pela importância das melodias e das mensagens no meu viver. A música ajuda-nos a pensar, a crescer, a divertir, a socializar, a seguir em frente. Quantas vezes foi “aquela” música, que pensámos escrita só para nós, que nos ajudou a dar o salto, a arranjar coragem, a ser bem sucedidos? É por ela que estamos também aqui.
A vida levou-o cedo demais, ainda antes de cumprir 50 e destrocou-nos irremediavelmente a todos os que o amávamos, ao roubar-nos a alegria imensa da sua presença. Com ele partiu uma palheta de uma guitarra dos Cometas e nem aí se separaram…
Há dias dei por mim a pensar que se a morte, por absurdo e em abstracto, permitisse regressos precários à vida, como se praticam nas prisões de hoje em dia, gastaria agora certamente um dos créditos.
Apesar de tudo e por duro que seja, como diziam os Beatles no “Obla-di, Obla-da”… “life goes on” e para além disso… nada nos resta.
Gostaria de agradecer, em nome de toda a família presente, aos percursores que idealizaram e levaram a cabo este reencontro; à Câmara Municipal de Castelo Branco, na presença do seu ilustre presidente Joaquim Morão pela amável recepção desta manhã; a todos os Cometas, por se terem lembrado de nós e pelo esforço, de milhares de quilómetros, nalguns dos casos, para estarem aqui connosco, sobretudo àquele de quem me encontro mais próximo, pela via das novas tecnologias, o meu estimado Manuel Prata; e finalmente a todos vós, que estão aqui desfrutando connosco.
Acredito profundamente que a vida não termina quando o corpo morre. Os homens perpetuam-se enquanto houver quem os recorde, sobretudo quando acompanhados deste carinho e desta saudade. Obrigado por o manterem vivo. Eu sei que mais uma vez, não nos vai falhar, e vai estar lá atrás, em espírito, “malhando” na tarola, no bombo e nos pratos por todos nós, quando soarem os primeiros acordes.
Bem hajam, por me terem feito tão feliz.
Ao meu cometa, tão brilhante, quanto fugaz… eu sei que vais estar lá sempre por nós.
Grande abraço…
7 comentários:
Conheci razoavelmente o teu pai, apesar de nunca ter falado com ele .
"Forçado" a passar muitas horas na Beirã, à espera dos comboios que me levaram para o Algarve, Lisboa e Porto, pude conhecer algumas figuras emblemáticas da nossa aldeia ferroviária .
Não raras vezes, abrigava-me por ali nos cafés, e era espectador atento, mas não interventivo, das conversas, desabafos e intervenções dos convivas . O teu pai parecia ser uma pessoa "desalinhada ", no bom sentido ; com um espírito interventivo e crítico que denotavam uma inteligência acima da média .
Não lhe conhecia esta ligação à
música .
Abraço e parabéns pelo post !
Pedro
Comovi-me. Não conheci o teu pai (como aliás não conheci o meu) e conheço-te mal a ti.
Acho até que te conheço mais por este blog do mque a ti mesmo, e cruzamo-nos há largos anos, apesar de não nos termos cruzado na mesma escola em que estudámos.
Penso que devias por parte deste blog em livro ou, se calhar estou a dizer disparate porque estou mais ligado à geração do papel do que à do digital.
Obrigado pela coragens de partilhares a tua intimidade, de te dares a conhecer.
Obrigado.
a imagem clara que tenho do teu pai, era a de um homem com um tique nervoso, muito dele até nisso, um para mim farto bigode, uma pessoa que possuia uma áurea, que nao nos está acessível a todos, que lhe permitia criar um clima de muito boa disposiçao em seu redor, nunca o Joao Sobreiro passava despercebido e lembro-me de ser puto e ter tido o privilégio de ter com ele tocado, penso que em Marvao, um fado que ele cantou, o fado do sobreiro.Esteja Ele onde estiver sentir-se-à orgulhoso.Parabéns e um abraço.
Olá!!!
Vi hoje de manhã uma reportagem sobre esta festa, de homenagem aos Cometas Negros (no programa Bom Dia Portugal no canal1).
Muito Bonito recordar quem fez muitos corpos agitar pelo país fora!!!
Fiquei tocado com suas palavras. O velho Sobreiro, de onde está agopra, com certeza tem muito orgulho do filho, não tenho dúvidas disso. Lendo o post e o dircurso, vendo todo o material sobre os Cometas Negros, lembrei daquela noite quando eu estava com vocês aí em Marvão, em que você cantou para mim uma música que seu pai fez, que retrata a história de um velho sobreiro que foi destruído por um raio ou coisa assim. Gostaria que você mandasse o texto para mim, se possível.
Um forte abraço meu amigo, parabens pela homenagem que recebeu em nome do sempre respeitado Sobreiro, do Cometas Negros.
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