sexta-feira, 7 de março de 2014

Algo está podre no reino da Dinamarca



Um país extraordinário.

É um país verdadeiramente extraordinário, este.

Um país em que os polícias decidiram manifestar-se frente à Assembleia da Republica precisamente à hora das notícias para o país poder assistir em direto, num espectáculo lindo de se ver. Os polícias a brincarem aos manifestantes. Uns de lenço na cara, outros de capuchos e óculos escuros, a mandarem bitaites contra esta ordem, esta máfia dos governantes que lhes “faltam ao respeito todos os dias!” Então não é que aquela rapaziada agora com os cortes levam menos 200 euros para casa ao fim do mês!?! E não é que são só eles os afectados?!? Por causa dessa merda, vá lá mais uma garrafa de água ao ar e tudo a gritar em coro “polícia uni-da, ja-mais se-rá ven-ci-da” numa variante da Abrilada exclusiva das forças de segurança que isso de ser o povo a estar unido já está démodé. “In-va-são! In-va-são!” gritavam eles e eu estava a acompanhar aquilo como quem vê um jogo de futebol da distrital, a ver o escarcéu que dava. “Mas invadiam o quê?”, pensava eu. “E chegados lá dentro? Começariam a zurzir nas bancadas?” Claro que era só a ameaça porque lá dentro, estavam os “cães de guarda” leia-se tropa de choque, que entrariam a doer mas claro que nunca o fariam porque isto estava tudo mais que combinado.


 O jornalista Pedro Freitas, geralmente remetido para a cobertura desportiva menor fez um direto absolutamente memorável que fez justiça ao momento. Disse o rapaz a dada altura que “se estes agentes estivessem de folga, também estariam aqui” e o caricato atinge com isto o cume. Não satisfeito, rematou com grande brilhantismo: “sentimos que a comunicação social não é bem vinda aqui” e que “os olhares reagem às câmaras.” Reparem na profundidade do raciocínio. As forças da autoridade, ou melhor, a polícia (porque eu também sou uma da autoridade só que é tributária e não me escudo nisso para me fazer ouvir) marca uma manifestação à hora dos telejornais e não quer câmaras a filmar! Faz sentido, não faz? Não querem câmaras a filmarem de perto as caras porque quem tem cú tem medo e o Miguel Macedo disse que lhes meteria as cabras no curral se se esticassem, que a cama não é de casal. Câmaras fotográficas vi eu a tudo captarem e até imagino os facebooks a rodarem.


Num dia em que as notícias não tiveram mais mundo e mais país e se limitaram a dar um bocadinho de Ucrânia e o tempo para amanhã, até a Clarinha esteve em grande rematando que o que “queriam era dizer ao governo que estão descontentes com a situação”. Bela maneira de mostrar o descontentamento, digo eu. Em Novembro eram cerca de 10.000 e hoje passavam dos 15.000. Uma bola que cresce e… não se sabe onde vai parar. Separador: Forças de segurança pedem demissão do governo. Pergunto eu: e se for um outro governo que o mais certo é ser socialista, as coisas mudam? Será que o Tó Zé Seguro tem a chave para abrir a caixa de Pandora e meter tudo na linha ou será que é mais do mesmo e chama meia dúzia de lacaios da era Sócratica para fazer voltar tudo atrás como ele agora diz que quer? Voltam os tribunais, os centros de saúde e volta tudo à estaca zero para baralhar e voltar a dar de novo. Mais do mesmo… Estes não servem e quem virá a seguir? E o que já pagámos? Volta a acumular?


Pois eu digo a minha análise àquilo de hoje: uma manifestação fascista da nossa pequenez! Os que costumam andar armados e de cacete no cinturão pavonearam-se à frente dos pares que foram permissivos e perdulários. Uma vergonha! A polícia deu aos manifestantes 5 minutos para dispersarem e se afastarem das escadarias. E eles? Esticaram mais um bocadinho a corda para ver se rompia. Claro que não rompia porque eram pares. “ó primo, olha aí que se não te desvias arrumo-te uma cacetada no lombo!”

“Tás a reinar? Não sejas ruim que eu amanhã limpo-te à lerpa, ouviste? Não brinques em serviço!”

A brincar às manifestações. Quando se fossem outros… era de alto, a baixo! Passados os tais 5 minutos, não queria nem ver…

Como eram 12.000 certos “contra” mil, a Assunção lá teve de fazer horas extra e beber um uísquinho com o representante. Imagino-os a verem as imagens, eles e o mundo todo onde hão-de rodar estas cenas terceiro mundistas à la Venezuela, de polícias contra polícias…

“Imagens históricas” catalogou o nosso grande Pedro Freitas. “E agora a força de segurança faz mais uma carga aos manifestantes que voltaram a subir a escadaria e… bem, isto não é bem uma carga…. é… assim mais um cordão… um cordão à volta dos manifestantes.”



Entrevistou uma senhora de idade que, pasme-se, estava ali “apenas” a assistir, no meio do olho do furacão, com aquela curiosidade atroz típica dos carros que reduzem na estrada para vislumbrarem os mortos encarcerados!A senhora arrisca muito a estar aqui. Não tem medo?”

“Eu estou solidária. Eles estão muito mal pagos. Eu compreendo.”

Um país a brincar. É o que isto é. Um país a brincar. Um país de brincadeirinha. Um país de Carnaval. O tio Cavaco tirou a terça-feira mas isto tem desfiles até nas notícias.

A minha cunhada Lina é PSP.O meu amigo João Abelho é PSP. Mas as dificuldades que eles atravessam com a crise são as mesmas que sente o Pedro, cunhado e amigo que trabalha nas finanças, ou as que sofre a Cristina que trabalha no Turismo. A crise chega a todos. Esta fatura milionária de uma dívida que não criámos mas que temos de pagar chega a todos. E todos a temos de tentar suprir. Todos os que trabalham têm de dar para este peditório incompreensível porque as sangrias como as de algumas parcerias publico-privadas continuam a sugar mundos e fundos. Os Sobreiros também se vão abastecer nas grandes superfícies para o mês e têm de saber aproveitar as promoções e os descontos porque os volumes de leite de uma dúzia de pacotes chegam a ser aos 7 e aos 8 de cada vez. Um filho é um investimento caríssimo e percebo os que apenas sonham com eles. Mas fazem tudo valer a pena e acreditem que valem bem mais que um carro ou uma casa.


Mas… ser uma força de segurança não é usar os mecanismos que se tem ao alcance para fazer valer os direitos que se pensam ter.

Como vinham as novelas ao ar, o assunto passou para a Sic Notícias sempre na contingência de poder regressar ao palco principal se tal justificasse. Eu sabia que não se justificaria, como não se justificou.


Algo está podre no reino da Dinamarca?


2 comentários:

gi disse...

Concordo contigo Pedro...Palhaçada é o que isto é. Eu sempre comprei a minha farda e nunca subi a escadaria da assembleia. A crise toca a todos.

João, disse...

Padre António Vieira, in 'Sermões'. Em 400 anos nada mudou...


"UM DIA A GANÂNCIA EVAPORA.SE"

Em Portugal cada um Quer Tudo E quando os homens são de tal condição, que cada um quer tudo para si, com aquilo com que se pudera contentar a quatro, é força que fiquem descontentes três. O mesmo nos sucede. Nunca tantas mercês se fizeram em Portugal, como neste tempo; e são mais os queixosos, que os contentes. Porquê? Porque cada um quer tudo. Nos outros reinos com uma mercê ganha-se um homem; em Portugal com uma mercê, perdem-se muitos.

Se Cleofas fora português, mais se havia de ofender da a metade do pão que Cristo deu ao companheiro, do que se havia de obrigar da outra metade, que lhe deu a ele. Porque como cada um presume que se lhe deve tudo, qualquer cousa que se dá aos outros, cuida que se lhe rouba. Verdadeiramente, que não há mais dificultosa coroa que a dos reis de Portugal: por isto mais, do que por nenhum outro empenho.

(...) Em nenhuns reis do mundo se vê isto mais claramente que nos de Portugal. Conquistar a terra das três partes do mundo a nações estranhas, foi empresa que os reis de Portugal conseguiram muito fácil e muito felizmente; mas repartir três palmos de terra em Portugal aos vassalos com satisfação deles, foi impossível, que nenhum rei pôde acomodar, nem com facilidade, nem com felicidade jamais. Mais fácil era antigamente conquistar dez reinos na Índia, que repartir duas comendas em Portugal. Isto foi, e isto há-de ser sempre: e esta, na minha opinião, é a maior dificuldade que tem o governo do nosso reino.