terça-feira, 9 de outubro de 2007

Mapa do Desejo


No dia 4 foi dia de concerto em Portalegre. Confesso que a princípio a vontade não era muita. A ansiedade da véspera da “Al Mossassa” era grande, o dia tinha sido longo e de muita azáfama na montagem do mercado, as saudades de um serão em família no sofá eram muitas, sabia que os 3 dias e as 3 noites que se seguiam seriam vividas até à exaustão… mas não há nada que um bom banho, uma roupita lavada e um grupo de amigos não façam. Assim que fiz-me à estrada.

Os bilhetes tinham sido comprado há muito, pelo sim, pelo não, e fomos todos no mesmo carro, como fazíamos dantes, quando não tínhamos carta de condução.

Ah… para quem gosta de música, um concerto ao vivo é sempre uma emoção, uma adrenalina e este era especial, até para os Clã.

Disco novo, arranque da digressão nacional, regresso ao palco… muita coisa nova também para eles, a tornar tudo ainda mais único.

Embora nunca morresse de amor por eles, sempre gostei do seu som. Achei-lhes piada no “Luso qualquer coisa”, sobretudo pela frescura e pela novidade do primeiro disco. Gostei muito do “Kazoo”, muito mesmo, que creio me chegou às mãos pelas do meu irmão. No “Lustro” saltaram para um patamar qualitativo que os colocou na primeira linha nacional e os conduziu às “Afinidades” com o Sérgio Godinho. No “Rosa Carne” esmoreceram e depois dos registos ao vivo, era com grande expectativa que aguardava as primeiras músicas deste novo trabalho.

A sala não estava cheia, o que é sempre de lamentar por todos nós, portalegrenses, ainda para mais na noite em que a sala mais emblemática de todo o distrito reabriu as suas portas após obras de beneficiação.

Revejo alguns amigos do tempo do liceu, sou saudado com um toque no ombro por um outro dos meus tempos de iniciação na vida laboral, enquanto alguns dos mais recentes me saúdam ao longe com um sorriso cúmplice.

Quando as cortinas abrem de par em par, soam os primeiros acordes em palco, decorado como se de um cenário em obras se tratasse, onde sinais de trânsito e marcadores, placas e estrados coabitam com a banda.

Teclas de lado, bateria ao alto, baixo e guitarra ladeando a voz e… a Manuela Azevedo.

A Manuela Azevedo é assim algo de inexplicável.

Pensei muito nisto e em que tudo o que se seguiu e o melhor elogio que lhe posso dar é que a Manuela Azevedo dá-me vontade de ter nascido mulher.

Eu sei que isto pode dar vontade de rir e até levar a pensamentos menos claros mas peço que não me interpretem mal.

É que eu nunca vi um homem, fosse que homem fosse, fosse o maior playboy ou sex-symbol de sempre, viver a sua condição masculina da forma que ela exibe a sua feminilidade.

Para além de todo o gigantesco talento que tem, a Manuela Azevedo irradia sensualidade e graça de todos os poros do seu corpo. Na verdade ela É a mulher e a artista e a prova mais que evidente que não é preciso ser muito alta, ou muito bonita, ou muito fashion para se ser a mulher mais sensual do país.

Desde a maneira como canta, à forma como se move, ao jeito como sente a música, toda ela é uma graça sem igual. Na verdade, ela é uma mulher em permanente estado de graça e ali, só quem é cego é que não ficou enfeitiçado.

A transparência que a cobria, trespassada pela luz dos focos de fundo do palco, revelava as formas de um corpo que vibrava com a força da música e a tornava quase etérea.

Muito simples, muito humilde e quase envergonhada, na forma como se dirigia ao público, encantou com o seu trato doce e encantador.

E depois a música… a música que foi salva pelo espírito do Variações e pelo brilhantismo dos Humanos, colectivo que reuniu algumas das maiores estrelas da constelação da nova música portuguesa.

Nos Humanos, conviveram com a nata da nata (também eles o são!) e beberam do mestre e isso fez-lhes tão bem. Abandonaram de vez a estrada conceptual que os levava a lugar nenhum e renasceram em todo o seu esplendor com melodias tão simples quanto belas, com uma roupagem tecida por teclas sumptuosas e pelo baixo encorpado, adornada pela guitarra inteligente do Hélder Gonçalves.

Com letras de primeira água e com uma magia inebriante em cada tema, estou mais do que certo que um dos do ano na lista nacional está aqui.

Um bem-haja ao meu careca de estimação pela aquisição previa dos ingressos, e ao resto da turma pela noite bem passada.

Quanto ao disco, este é mesmo para comprar que bandas desta qualidade merecem mesmo muito ser ajudadas.

No dia em que escrevo, o David Fonseca, outro genial mágico da nossa praça edita o seu aguardado terceiro trabalho a solo.

Pelo que ouvi hoje no showcase da Antena 3, avizinham-se tempos gloriosos para a nova música portuguesa.

Que bem-vindos sejam!

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