segunda-feira, 14 de abril de 2008

Um domingo qualquer

Acordei às 7 e pouco, quando as primeiras claridades da manhã se infiltravam no quarto pelas frestas das janelas mal fechadas e no preciso momento em que a pequena mergulhava naquilo a que chama o leito conjugal, ou seja, bem no meio de nós. Os cães da vizinhança ladravam assustados em uivos agudos e aquele inusitado e desafinado coro matinal perturbou-me o descanso. Dei voltas mas tardava em dormir, até que de levezinho, peguei no sono e … que sono maravilhoso foi.
Aprendi com a minha treinadora mental e com os livros do Freud, muita coisa sobre os sonhos e guardei para mim que são uma espécie de trituradora Moulinex onde nós colocamos em pedaços os nossos medos, ambições, aflições e episódios mais marcantes do dia e depois do um, dois, três, saem essas visões nocturnas.

Doeu-me muito que o Rockfest tivesse sido cortado do orçamento camarário sem que eu pudesse proferir as alegações de defesa que vinha treinando ao longo do último ano. Acabou-se e prontos. Euros para isso, zero! Para isso ou para essa que era a única grande festa para os jovens realizada no concelho. Quando tanto se fala nos velhinhos, que tanto merecem, eu quero mas é malta nova que essa é que traz vida mas desta vez, ficámos sem pio. Jamais atirarei a toalha ao tapete e acho que neste último round, sou capaz de ter um “gancho” escondido que ainda poderá fazer possível a terceira edição do festival de música rock de Marvão. Pensando e mastigando e preocupando-me com isto, matutei tanto que a coisa chegou à almofada.

De forma que hoje, neste domingo qualquer, estava eu a querer dormir quando acordo mesmo em pleno Verão, numa encosta virada para a Portagem, a saber pela muita malta nova que chegava de todos os lados e mais algum, que havia mesmo um grande festival de Verão.

“Mas como? E onde?” perguntava eu atónito, alegando não ter visto um cartaz que fosse. Segui a fila da populaça que mais parecia um carreiro de formigas e cheguei ao recinto, enorme e cheio de pó, com um palco fabuloso à frente do qual descansavam os mais variados espécimes da juventude moderna. Aquilo era brincos, piercings e rastas, tatuagens e penteados de toda a maneira e feitio, numa boa onda incrível e eu completamente extasiado, sem conseguir descobrir como tudo aquilo tinha sido possível. Perguntei pelo campismo e vi magotes de jovens com grades de minis geladas a tiracolo e miúdas bem giras, semi-desnudas a montarem a tenda debaixo de uma pereiras. Ao canto, alguns jovens matavam umas cobras e uns lagartos que assustavam a vizinhança, mas não sem eu os ter avisado que isto era Parque Natural e não podíamos permitir maus-tratos aos bichinhos.

Um cheiro intenso a rosmaninho e a eucalipto anunciavam a festa. Perguntei quem eram os cabeças-de-cartaz e quase caí de cú quando me disseram que era o Jimi Hendrix e a sua “Band of Gypsys”. Brutal! Passei-me completamente e pensei logo em ligar para casa a dizer não só não ia jantar como também não ia dormir nos próximos sei-lá-quantos-dias, até aquilo acabar, vá! Ena meu, que alegria, a comer aquela euforia toda e a encontrar pessoal amigo e tantos desconhecidos que já haveriam de ser cá da casa quando tudo levantasse arrais.


Dizia para comigo, “eu sabia! Eu sabia que isto ia pegar”.

Foi então que decidi ir falar com a organização para os felicitar e colocar os préstimos da câmara ao dispor. As minhas demandas encaminharam-me para um quiosque no meio do mato, pintado de todas as cores, com muitos hippies à porta, todos eles com ar amigável. Lá dentro, apresentaram-me ao responsável que era um tipo muita grande que falava ao telefone sem parar. Eu a dar-lhe os parabéns e a dizer-lhe que estava tudo maravilhoso e que para mim aquilo vá, era um sonho… e o gajo nada! Vai de falar ao telefone, a marcar com este e a desmarcar com aquele e eram só grandes nomes (para quem consegue ressuscitar o pai Jimmy, nada é impossível!). Como a conversa não dava atilho, lembrei-me de ir beber uma mini (com álcool, claro!) na taberna que tinha nascido a uns metros dali de um dia para o outro. No caminho, tropecei num pedregulho e quando levantei a cabeça vi a cara da minha filha a um palmo de distância, a dizer “pai, acorda!” e quando olhei para o lado já só vi os cortinados. Ainda meti a mão no bolso do pijama, numa vaga esperança de encontrar os bilhetes que tinha acabado de comprar mas nada. Nem o troco, sequer! Logo agora que estava tudo tão bom…

Eu tiro o tubo!

Para me esquecer do desalento, dirigi-me para a cozinha onde lhe preparei o “pequeno-almoço-de-princesa-nº 2” que inclui duas torradas de pão de forma com manteiga de vaca e uma chávena de mokambo meio escurinha e bem quentinha. Quando estava meio da coisa, começo a ouvir um “cccccccchhhhhhhhhhhhhh” muito intenso e eu assim a pensar, “ena pai, o que chove!”. Confirmando pela janela, vi o céu limpo e nada! O “cccccccchhhhhhhhhhhhhh” tinha de ser de outro lado qualquer. Como me parecia água, fui ver se era do autoclismo mas não me pude demorar com as averiguações porque já tinha a torradeira aos gritos. Digo, bem, primeiro entrego a merenda e depois já vejo. Foram os minutos que demoraram esse “já vejo” que me amolaram. Seguindo o barulhinho, pensei num bicharoco dentro do armário, mas não, olha, tinha sido um tubo da água que rebentou e já me tinha o móvel com perfumes, pentes, lenços de papel e outras miudezas a boiarem como se estivessem a bordo do Titanic. Bem engraçado! Primeiro levo uma nega do festival e meia-hora depois estou armado em Super Mário 2, de cú para o ar a tentar estancar a hemorrogia aquela que eu nunca pensei que um tubo tão pequenino pudesse levar tanta água. A hora que se seguiu, a salvar o que pudesse como o Noé e a tentar retirar a torneira também foi uma maneira bem engraçada de começar o último dia do fim-de-semana. A bacia, ainda lá está, esventrada, à espera de levar a prótese que lhe falta.

Para mim, foi a prova que confirma um dos meus maiores medos, o de um dia sair da minha casa, deixar lá todos os meus pertences e não encontrar nada ao regressar. Estes acidentes naturais, tipo fogos, inundações e afins, trespassam a minha mente todos os dias, no milésimo de segundo em que rodo a chave antes de sair. Se em vez de ter sido agora, tivesse sido quando estivesse a trabalhar, o desfecho podia ser bem diferente e isto sim que assusta, só de pensar.

Sentinela!



Por falar em figuras bíblicas, ao chegar ao pé da viatura, reparei que as últimas mudanças bruscas de temperatura trouxeram não só a geada de volta, mas também os seus primos jeovás, como os que deixaram no vidro de trás, o último exemplar da “Sentinela”, datado de 1 de Abril de 2008. Bela publicação esta! Na primeira página perguntava a letras garrafais, “O que é o Armagedom?” e eu pensei para comigo que não sabia bem o que será mas que a minha manhã deveria de estar a ser bem parecida. Perdi algum tempo a ver aquilo e está engraçada. Nela aprendi as palavras sábias, “Procurai a justiça, procurai a mansidão”, exortadas pelo profeta Sofonias (Sofonias 2:3), numa altura em que o profeta perdia incompreensivelmente por 3 bolas a duas quando jogava em casa, perante os seus adeptos e toda a torcida local.

Agora que penso nisso, nunca compreendi porque é que estes Jeovás são tão perseguidos, os pobres, quando também gostam do Jesus. Estou capaz de escrever para a Rua Conde Barão, 511, P-2645-109 Alcabideche, a ver se me podem explicar. Isto se não incomodar muito, é claro.


A Pequim 2008


Na Beirã, no Torneio de Malha organizado pela Associação BTT “ Rota das Antas” e pelos Jogos Tradicionais, confirmo que a Malha deveria de ser um desporto olímpico, quanto mais não seja, pelo facto de cada vez que se avança numa eliminatória, vencedores e vencidos se deslocarem ao balcão do bar montado a escassos metros para juntos, malharem uma rodada de minis ou de calmeirões de vinho tinto e uma bifana com mostarda partidinha em 4. Não é adorável? Não consigo imaginar uma outra modalidade passível de conseguir ajudar a fazer as pazes entre a China e o Tibete. Os monges, depois de derrubarem o último “chito” com uma malha certeira, convidariam os soldados do território dominante a beberem “saké” e a comerem uma carpa crua esquartejada em pedacinhos. Às vezes, os grandes males, têm tão pequenas soluções…

No tapete…


Por falar em Jogos Olímpicos, gostei de assistir aos últimos combates do Europeu de Judo que decorreu em Lisboa, no Pavilhão Atlântico.

Não gostei foi de ver o Laurentino Dias a entregar as medalhas de uma cerimónia tão solene, assim em mangas de camisa. Eu que não sou propriamente um adepto de protocolos, não gostei de ver mas prontos, são modernices. O chefe dele, aquele que tem nome de filósofo e não gosta que a malta nova ande com acessórios metálicos, também não devida de permitir estas confianças, mas ninguém é perfeito.

Vi as senhoras a lutarem e prova final dos homens com uns bisontes que pesavam mais de 100 quilos e devem de comer para aí uns 300 papossecos com marmelada ao pequeno-almoço. Devem ter sido criados a peito até aos 9 anos porque se um daqueles me caísse em cima, eu tinha o ataque de asma do século e só saía de lá enfiado num saco preto. Mas é giro. Cada combate dura quatro minutos e tal, desses todos, gastam 3 agarrados, a rosnar um para o outro e de repente, há o que mete o pé e lá vai o outro de cangalhas. Pensei que a nossa sociedade é injusta. Castigamos os colegas da minha filha que andam na escola a rasteirarem os companheiros e damos medalhas de ouro a estes que levam o tempo todo a fazer o mesmo, ainda por cima de pijama e em público. Vá-se lá perceber…

No entanto, não há coisa que me comova mais que ver um atleta a ouvir o hino no pódio, de medalha ao peito, enquanto é hasteada a bandeira do seu país. Não é por nada mas se repararem bem, na expressão do olhar que fazem nesse instante, vêem-se as horas de treino e os sacrifícios todos evaporarem-se numa lágrima fugidia que transforma a expressão num sorriso de “valeu a pena!”.

É bonito.

2 comentários:

Jorge Miranda disse...

EM CONTRA MÃO
Acabámos de ficar mais gordinhos , apesar da àguia não ter muito para comer...
SCP...SCP...SCP

Jorge Miranda disse...

Lamento mas não resisti à anterior provocação do Pedro.
Um abraço