quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Em Nisa, no centro do mundo (swingando com a divindade)

Fui de visita à Nisartes e não consegui evitar deixar de me sentir pequeno, diminuído por todo aquele aparato. Mais intimidante que aquilo não pode haver e para mim foi uma experiência bem reveladora. Dei por mim a admirar o entorno como um puto que passa as tardes a jogar ao pião e vê os amigos passearem de mini-aeronave.

Eu também tenho uma Gastronomia mas a minha tinha 4 mil euros de orçamento. Esta, segundo me confidenciaram, tem à volta de 510 mil, ou seja, 120 e tal vezes mais, o que sempre dá para mais qualquer coisita. Gastam numa feira o que eu não gasto num mandato.

É! São opções. Ele há executivos que arriscam, que acreditam e ousam meter os seus locais no mapa. Corra bem ou corra mal, eles lá estarão para justificar, em bloco. Ainda bem que assim é.

Só em artistas, de certeza que 40 mil contos não chegaram para todos.

E depois há os pavilhões gigantescos, as cozinhas do melhor que pode haver, belos estrados, belos palcos, belas luzes, belas aparelhagens.

Uf!

Por muitas críticas que possam haver, o que eu vi, e eu conheço bem Nisa, foi as pessoas felizes, passeando em famílias ou entre amigos, desfrutando de aquilo tudo porque tristezas não pagam dívidas e a vida são dois dias. Salero!

Fui ver a Mariza porque a minha senhora diz que gosta e não indo pelo artista, não podia ter saído mais impressionado.

Nunca fui gajo de modas. Eu sei que isto pode ser pancada mas quando os outros cantam em coro, eu desconfio e afasto-me. Exemplo claro disso são os Silence 4. Quando o “Borrow” começou a bater nas rádios e parecia que andava tudo hipnotizado pela melodia, eu não passei cartão e por pouco, se não tivesse ouvido a assombrosa “Angel Song”, estive em risco de perder uma das bandas mais talentosas dos últimos 20 anos da pop portuguesa e um dos génios criativos mais profícuos do nosso universo musical luso, o meu quinto David Fonseca que eu adoro e venero e ouço até à exaustão.

Maneiras que esta onda do novo fado e das Anas Mouras e “não sei quê” me cheira a esturro e tirando o Camané, eu como a xixa e deixo o resto ao lado no prato.

Mariza? Tá bem, abelha!

Mais uma vez, não podia estar mais errado.

O concerto foi extraordinário e aquela garça real de pescoço aristocrático é muito maior do que pode ainda sonhar. Dona de uma voz assombrosa, com um extraordinário sentido de tempo e com um carisma inebriante que nos obriga a segui-la por onde quer que pise, Mariza transporta o fado para outro nível ao cruzá-lo com influências e ritmos que o levam da Mouraria para o mundo. Nunca o conceito “world music” fez tanto sentido.

A Senhora Dona Amália que esteja lá em descanso que o que é dela ninguém lho tira mas aqui o tempo é outro.

Tal como não há forma de comparar o Cristiano com o Eusébio, por viverem em épocas e em estágios de evolução da modalidade diferentes, também esta Mariza merece ser admirada por si.

Classe, distinção, erudição e domínio mas também sinceridade, entrega, humildade e devoção.

Um pássaro raro com uma coroa dourada, em bailados mágicos e cantos de sereia.

Absolutamente notável.

Nota muito mesmo 5 estrelas para a banda que impressionava de tão jovem e competente, recriando-se com os instrumentos e deixando-nos a pensar como é possível atingir aquele nível excelso de execução quando ainda nem barba se tem. Coisas destes tempos. Estranhos tempos os nossos.

Quando se despediu e cantou junto ao público, banhada na luz dourada dos holofotes, tocando as crianças e acenando aos adultos que sorriam embasbacados, pareceu-me assim até a visão de uma outra senhora também tão querida de Portugal.

Foi memorável, pá.

Vamos lá sacar esses discos todos para ver se mais uma vez, sou contemporâneo de uma lenda e ando tão distraído que nem dou por isso.

A bênção, minha filha!
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