sábado, 8 de maio de 2010

Retrato do artista enquanto jovem

B Fachada
Quina das Beatas – CAEP de Portalegre
07.05.2010 – 23.45h

É impossível olhar para B Fachada e não ver naquela figura esguia, de barba densa e cabelo desalinhado, a reencarnação de um jovem Variações. O António seria certamente mais baixo, mais corpulento, mais mexido e menos dandy… mas há ali uma colagem (até na linhagem musical) que é indesmentível.

Fachada será porventura o filho pródigo de todos os nascidos no seio da profícua editora Flor Caveira e o mais genial desta nova e improvável geração de cantautores nacionais que tem na proa nomes como os de Tiago Guillul, João Coração ou Samuel Úria.

E será este hype à volta do seu ainda recente mas mais que consolidado estrelato enquanto ponta-de-lança da produção lusa, o que melhor justifica a assistência numa composta Quina das Beatas apesar da noite fria de Maio que mais parecia de Inverno, convidando ao recolhimento no recato do lar.

Num cenário desprovido de adereços, Fachada apresentou-se liberto de artifícios, tiques, truques ou trejeitos… revelando-se o verdadeiro diamante em bruto que é. Comunicativo e bem humorado, tocou como se estivesse num serão entre amigos ou numa informal reunião familiar. Voltou atrás porque o tom estava abaixo, parou para afinar a viola, recomeçou quando o ritmo estava lento e tudo isto sem perder a compostura, enquanto travava com Martim, o seu acompanhante no contrabaixo, diálogos bem dispostos que foram animando as hostes e lhe serviram de muleta para os percalços.

Durante cerca de uma hora percorreu temas da sua curta mas muito intensa obra, desde a auspiciosa estreia em “Viola Braguesa” ao “EP que há-de ser editado por este Verão”, sem nunca esquecer o seu primeiro, homónimo e fascinante longa duração que considero um clássico imediato da história da música moderna portuguesa para colocar ao nível de um Paredes, um Madredeus, ou um Palma.

Fachada toca como ninguém e canta (com a sua voz “oca” e sofrida) como ninguém, as coisas que soube inventar e ninguém antes imaginou. Mentiu-nos ao confessar que “quando componho os meus temas faço-o sempre a pensar no intérprete ideal. Depois, como não consigo arranjar ninguém que os queira cantar… tenho de o fazer eu…”. Mentiu-nos porque só ele e mais ninguém é capaz de os encher de tanta alma e sentimento que chegam a arrepiar.

O Portugal que Fachada traz no peito é autêntico e imenso. Vai do Algarve a Trás os Montes. Nele vivem tradições ancestrais, um vasto legado folclórico, um querer e um sentir que são só nossos. Amores, desamores, perda, saudade, fé e arrependimento, sonho, vertigem e ilusão habitam a sua música como se de carne e osso fossem feitos.

Ainda lhe falta muito caminho a percorrer, mas Fachada já é único.

Como a noite de ontem.
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Duas notas de rodapé:
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Uma muito positiva:

Mais uma actuação em grande de Luciano, cada vez mais o “Padroeiro” incontestado do CAEP e o “Santo” da devoção da Quina das Beatas. Já há muito que este rocker, performer e agitador social merece uma atenção por parte das entidades competentes da nossa cidade. Pode ser um subsídio milionário, uma bolsa choruda e vitalícia ou um free pass para todos os festivais de música que acontecem por esse mundo fora… qualquer coisa serve desde que seja para já. Da última vez que por lá o vi, brilhava alegremente num stage diving solitário em sentido contrário que obrigava os músicos a desviarem-se das suas incursões suicidas. Desta vez ficou-se por umas “bocas” oportunas e um voluntariado para os coros. Fachada coroou-o: “o amigo é muita famoso por aqui…”.

Eu faço as minhas propostas: que quando adormeça no sono dos justos, já muito velhinho, atribuam o seu nome à sala de espectáculos que é a sua segunda (“primeira?”) casa e que depositem os seus restos mortais nesse solo sagrado como dantes faziam com as freiras nos conventos.

Ou então… fazer uma edição exclusiva de t-shirts com o dizer: “Luciano Rocks” ou “Eu sou fã do Luciano”. Era coisa para esgotar.

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Uma muito negativa:

A decisão de terem acabado com o bar já é motivo suficientemente forte para que a gente que costuma por lá aparecer se aborreça. Agora, aquela ideia de lá colocarem uma máquina de cerveja que não pára de bater e faz questão de interromper, com o barulho do seu vomitar de latas e trocos, os momentos mais intimistas de cada actuação é coisa ingrata para o público e sobretudo, para os artistas. Há que pensar numa solução por que assim, não dá!
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Para fechar, um abraço de parabéns ao CAEP por mais este aniversário, em especial ao Quim Zé e ao Gaspar, pela simpatia e profissionalismo. Bem hajam! Já não sei o que seria de nós sem os balões de oxigénio deste oásis de cultura. Longa vida!

2 comentários:

Gaspar Garção disse...

Um abraço amigo de agradecimento pelos elogios (merecidos...), para quem também fez (e faz) muito pela cultura da nossa região!!!

Sabi: a curtir grande som desde o final dos anos 90!!!!

Gaspar Garção disse...

Claro que me enganei...

Queria dizer: a curtir grande som desde o final dos anos 80!!! :)