segunda-feira, 12 de agosto de 2013

ABELWATCH (a última versão do swiss watch, ou seja SWATCH)

Álbum de memórias: momento da entrega do relógio novo ao Abel, que o segura e exibe na mão


Este artista já não é novidade aqui no palco de variedades que é esta taberna virtual (taberna com b em vez de v no novo acordo ortográfico do vosso Tio Sabi) ou seja, neste blogue. Mas justifica-se. Porque o Abel, como ele se apresenta sempre, é bom. “O Abel é bom”, dito por ele, pelo Abel, pode parecer uma redundância mas não é. Quem o conhece, sabe bem que é verdade. É um bom coração, um pobre diabo que não faz mal nem quer mal a ninguém. Só o vejo zangado comigo de vez em quando e tem razão para estar. Eu gosto tanto dele que quando o apanho distraído, como ele é tão maneirinho e tão pequenino, o agarro por trás e o levanto no ar, o meu amor pequenino. Ele fica bruto, quer-me morder e dar murros e dá uma série deles no ar. Só que nunca me apanha com um gancho daqueles. Também… eu gosto do risco e se me acertar, não lhe posso levar a mal porque quem brinca com o fogo, arrisca-se a queimar o rabo.

Quando alguém de novo assiste às nossas brincadeiras, ele explica baixinho, como se estivesse a traduzir, “somos muito amigos…”. E somos. Adoro quando ele me dá um abraço apertado e me diz a sorrir: “olha o meu grande amigo…”

O Abel vive hoje na Santa Casa da Misericórdia. Que é mesmo santa, mesmo grande casa e tem a enorme misericórdia de albergar estes homens como ele, filhos de Marvão perdidos. Lá come, dorme e veste. Lá é bem tratado. Isso vê-se. Isso sente-se quando se fala com ele.

Não resisto a contar e a publicar esta história porque é mesmo deliciosa e sem maldade.

Eu sei que ele faz 66 anos a 23 de Outubro. Sei porque ele mo disse. E quando me disse a data cravou-me logo para lhe oferecer um relógio.

Eu tenho em casa uma coleção considerável de Swatches. Adoro relógios e na impossibilidade de ter um caro, tenho comprado estes são mais económicos e sempre marcam momentos da minha vida. Não passam de 10. Mas sempre são alguns e como sou vaidoso, reconheço-o, vou variando diariamente, consoante a toilette.
Há dias, o Abel disse-me que precisava de uma pilha para o antigo dele que tinha deixado de trabalhar. “Mas para quê é que tu queres uma pilha nesse relógio se te vou oferecer um nos anos, Abel ?! E o Gonçalo já me disse que te ofereceu um!”

“Mentira! É mentira.” Respondeu. “Ele disse que m’ia dar um mas não deu. Diz que não tem pilha.”

“Ai Abel, Abel que és tão chato!” e lá vim eu com o bom do relógio à Casa Moura, na hora do almoço. A pobre da Susana fartou-se de tentar mas não conseguiu abrir a caixa do aparelho. Ela mostrou-me e o relógio tinha uma grande pancada na caixa atrás que não deixava mudar a pilha. Tentou, tentou com uma navalha mas nada. Aquilo deve ter sido feito numa noite de vida artística quando eu o conheci, há muitos, muitos anos atrás. Num baile qualquer e quando as cervejas o tornavam por vezes mau e agressivo por ser gozado pelos outros, pelos homens maus, por ser o elo mais fraco.

Disse-lhe então para deitar o relógio fora, que não tinha arranjo, que eu tinha tentado mas não fui capaz, que o tinha levado à loja mas não se tinha safado na autópsia. “Deixa Abel… não fiques triste. Eu vou –te oferecer um. Já não é novo, mas é meu, jóia de família e uma recordação antiga. (Uma mentirinha para fazer alguém ainda mais feliz não é pecado.) E é especialmente dedicado a ti, Abel!

O tempo passou e como ele não foi insistindo, pensei que a febre tinha terminado.

Até há dias. Eu vinha almoçar e ele mandou-me parar o carro junto à GNR. “O que é que se passa, patrão?”, perguntei-lhe.

Com um ar muito triste. “É o relógio… Não funciona mesmo. Nada!”

“Mas qual é a urgência do relógio, Abel?!? Tu não tens de cumprir horas porque não trabalhas. Não tens de ir buscar os putos à escola, para quê o raio do relógio se tu és livre?”

“Eaaaaaaahhh… para saber as horas!”

Boa resposta! “Então fica descansado que eu trago-te um logo lá de casa. Mas olha que era aquele que era para te dar nos anos! Se to dou agora, depois não te dou nada!”

“Tá bem! Trás lá! A que horas vais ao correio?”, perguntou.

“Eu não sei se hoje há correio para ir levar. Mas deixa lá que eu não me esqueço e quando sair vou ver de ti ao Jorge.”

“A que horas?”

“5  e meia, Abel. 5 e meia.”

E havia mesmo correio para ir levar. Não me esqueci do relógio, que levei no bolso escondido e ia à espera de o encontrar. Mas nada.

Quando chego ao bar “o Castelo” lá estava ele, à porta.

“Ai meu menino, tenho aqui uma prendinha guardada para ti…”, disse-lhe.

Adorou. Agarrou-se logo a mim. Tirámos uma foto para a posteridade, para o meu álbum de fotografias, para meter na pasta “Amigos”. Se as vir aqui no blogue, fica todo contente. No outro dia mostrei-lhe a dos óculos escuros através do wi-fi do bar e ele disse logo ao Fernando: “tás a ver coméque é! Aqui no computador?” (todo convencido!)

O meu primo Jorge, como é bom homem, quis assinalar o momento solene da prenda com uma bebida oferta da casa. E levantou o castigo ao Abel que estava proibido de beber álcool ali. Alguma boa deve ter feito. Um tintinho para ele e uma imperialzinha cá para mim. Oferta da casa, uma categoria! Estava eu a refrescar-me com aquela delícia quando me engasguei de tanto rir e ia ficando sem ar para respirar. Estava eu a dar um gole quando o Abel me pergunta com a maior desfaçatez:

“Então e agora nos anos, o que é que me dás?”

Quando consegui falar, disse: “Ó Abel, por mais que eu te dê, tu nunca estás satisfeito!”

“Pssssssssshiiiiiiiiiiiiiiiuuuuuuuuuuu” (metendo a mão na boca para me calar)

“Se te dou o relógio, que é um bom relógio e é caro e é igual ao meu, queres mais coisas. As minhas camisas estão-te grandes. A minha roupa está-te larga. Mas deixa lá que eu hei-de ver se o meu sogro que é assim pouco mais alto que tu lá tem alguma coisa de sobra.

Este Abel é demais… (olhando em volta) se te dou corda metes-me uma coleira e andas-me a passear como o Boris ao cabo Simão!

Fazer feliz faz-me feliz.

Ser bom não custa! E vale tanto a pena…

Dá tanto sentido à vida. J


Lindo, mostrando o novo exemplar.
Parece uma capa de revista masculina.
Ainda mo levam p'ra modelo...


Argumentando com o Jorge já com o bébé no braço esquerdo...

2 comentários:

zira disse...

O teu bom coração, a tua sensibilidade sempre presente, a tua maneira de ser e estar.Bj grande-

Helena Barreta disse...

Ficaram ambos felizes, o Abel com o seu relógio novo e o Pedro por proporcionar tamanha alegria.

Um abraço