quarta-feira, 20 de abril de 2016

Em dia de romaria...






Comecemos pelo princípio, o que dá sempre jeito. O Miguel Araújo é, na minha opinião, o maior cantautor da minha geração (apenas 5 anos mais novo que eu).

Temos também o Tiago Bettencourt, que também é muito forte mas não tem, de todo, a sua coerência e profundidade lírica. O David Fonseca é outro ponta de lança, mas cantando na língua mãe, não tem sido capaz de atingir a densidade das palavras que tão bem cantava em inglês. O Manuel Cruz dos Ornatos Violetas é também outra figura de proa mas tem-se deixado ficar para trás e vai aparecendo muito esporadicamente. O João Paulo Simões, que encabeçou os Belle Chase Hotel é também um extraordinário compositor; tal qual como o Jorge Cruz dos Diabo na mesma que agora tem escrito para fadistas com grande alegria e sucesso (Ana Moura) mas nenhum deles conseguiu alguma vez fazer uma música tão forte para quem viveu a meninince e adolescência no nosso tempo sobre um dos ícones definitivos dessa altura como o nosso Miguel.



   
O insuspeito “Expresso” concordava com o que hoje penso, já em 2012, quando disse que “é notório que Miguel Araújo se tornou um dos melhores fabricantes de canções que o país viu surgir este século”.

O Miguel é o Rui Veloso da nossa geração mas tem a diferença de ter o Carlos Te a viver dentro dele. São os dois num só e isso é tudo.

E é por isso que de cada vez que tenho oportunidade de o ver ao vivo, tudo tenho feito para não ficar em casa.


Fuivê-lo ao Crato, com a minha Leonor e assim que soube que vinha a Portalegre, não descansei enquanto não arranjei bilhete. Consegui um para mim, outra para ela e fartei-me de dizer à minha patroa se queria que a mana, com fala diversas vezes durante o dia, ou alguém lá da casa dela quisesse ir…

Como não soube de nada, voltei a pedir ingressos que estavam a esgotar para os 3 cá de casa.
   
Acontece que a minha Leonor já namora (difícil, duro) com o Einstein da terra das torres da Robinson e nesse dia, trocou-me. Foi pela mão rapazinho, de boleia com os papás, ver um dj chamado KYGO, ó valha-me Deus. Anda um gajo a vida inteira a passar-lhe bons gostos musicais, coisas com estilo, pompa e circunstância, com pedigree e à primeira oportunidade, vai-me daqui de propósito a Lisboa para ver um disco-joker norueguês. Isto é mau demais. Mas o Sabi merece. O Sabi arreia.


Eu, de certeza, de certezinha que ia ver o bom do Araújo. A mãe teve uma Alice que fez uma cena terrível de bebé que não costuma fazer, e esteve quase, quase para não e ir.

Pensei, se não tinha a filha para ir comigo, não me queria desfazer do bilhete e perguntei à afilhada se queria alinhar. Esta, é daquelas que nunca falha. E assim fomos, lá todos três, para termos uma noite de romaria.



O Miguel é mais novo mas é sabido e rodado. Se o homem está farto de fazer estrada e estas coisas não se aprendem num compêndio. Aprendem-se vivendo.

Exímio compositor, excelso fazedor de canções, também faz franchising e escreve para fora, esticando a cama de lençóis lavadinhos para os outros brilharem e se deitarem.

O “Pica do 7” do Zambujo, por exemplo, no vídeo do qual faz um cameo sentado no elétrico, é um hino ao bom gosto, à musicalidade e portugalidade.


O Centro de Artes do Espetáculo de Portalegre, que cumpria o 10º Aniversário (parece que foi ontem…) estava cheio a rebentar pelas costuras com gente que venceu a terrível noite de frio e chuva porque queria mesmo ali estar. O Miguel, admirado pelo incrível calor humano e coros que recebia das cadeiras em frente, apresentou-se humilde num palco muito simples, negro, sem adereços, apenas com duas aves de papel suspensas do teto, acompanhado apenas por dois músicos que foram aparecendo durante a atuação, nas teclas e no baixo que fazia as marcações rítmicas.

Para um homem que, com a companhia do parceiro Zambujo atingiu recentemente o notável marco de encher por 17 noites consecutivas o Coliseu do Recreios, estas noites, qualquer noite destas noites, lhe há-de parecer um ringue de patinagem de bairro. Uma coisa pouca. Mas não. Mostrando-se verdadeiramente feliz por ter conseguido reunir tantos amantes da sua obra, que o acompanhavam ao deslindar de cada êxito. O Miguel sentiu-se em casa.


Não deu um concerto apoteótico, mas foi também por demais evidente que isso nunca foi o que pretendeu. Poderia ter ido para os temas mais orelhudos, que toda a gente conhece de trás para a frente e de frente para trás, mas não. Escolheu um line-up muito pouco frontline e de temas menos conhecidos. Recriou, recriou-se, brincou consigo e com o domínio da sua obra.

Manifestos, por demais evidentes disto que digo?

A meio do show, não no final, tocou ao piano dois temas que, percebeu-se que muito gosta, um de Elton John Sobre Lizza Minelli, e Portsmouth do Elvis Costello. Temas que muitos poucos dos que enchiam a sala conheciam e gostavam tanto quanto ele, certamente. O Elton John jamais seria um artista do qual seria capaz de ouvir um disco, quanto mais comprá-lo.



As músicas que todos esperavam, chegaram ao final com o ar de café concerto num pub qualquer, em que o artista, com a guitarra a tiracolo, espicaçava quem tinha à sua frente sobre o que tema que se haveria de seguir.

Sairam assim os clássicos imediatos pelos quais todos esperavam:




Eu, que sempre fui assim um desalinhado, sempre a pensar muito pela sua cabeça, pude deslumbrar-me com o maravilhoso casamento de cartório, tal e qual como começou o meu,



Esse ou com a soberba festa de romaria que viemos a saber que foi composta em Portalegre no bar Xisterna com o apoio enorme do amigo Zambujo em 2007, provavelmente na altura em que o conheci em Marvão, quando era vice-presidente, vereador da Cultura e o trouxe a Marvão a acompanhar os amigos do Quarteto em Mim no feriado municipal.

Boas memórias.


Gostei da conversa. Valeu! Ficou aberta para o teu regresso um dia?

Sem comentários: