sexta-feira, 6 de julho de 2007

Recomeçar...


Num bucólico almoço de família, muito fim-de-semana, crianças no jardim, muita relva, muito boa onda, muito relax, muito stress-less, alguém me dispara que tenho um defeito enorme.

Um defeito enorme!!!!!!!!! (Que diacho! E qual poderá ser? Por Deus!).

“Gostas muito de falar, mas muito pouco de que falem!”.

Confesso que fiquei sem balas.








Custa-me a olhar para dentro, pá!

Sei que é verdade.



E tenho que confessar que às vezes sou meio aparvalhado.

Vou em cantigas.

Custa-me dizer que não.

Alinho na maré…

E neste caso, foi mesmo assim.

Conheço a Zita Seabra do 9º ano, quando comecei a comprar o Expresso.

A gaja era do tipo muy duro, uma espécie de encarnação feminina do próprio Cunhal, de garras e dentes afiados, sempre acutilante, pronta a rasgar.

De repente, vejo-a passar para o outro lado e não foi necessariamente para o partido vizinho do espectro luso.

Um dia a servir imperiais no Avante!, no outro em amena cavaqueira com o Portas…

Caraças, pá! Assim, não dá!

A gaja só podia ser uma vira casacas e isso é um rótulo que ninguém quer ter.

Aquilo agarrou-se a mim e cada vez que a via, num jornal, num telejornal, numa revista, num boletim ou na sua bem sucedida carreira como editora, dizia para comigo… a bicha esta!

Deu a volta ao prego!

Está aburguesada. Vendeu-se!

E chego a casa e enquanto janto, encontro-a na RTP1 com a Judite de Sousa.

A protagonizar a mais brilhante entrevista política eu vi em muitos anos.

E não foi pela Judite, a pobre, que se mete no meio e não deixa mastigar e não percebe que a estrela não é ela.

Foi mesmo a mulher. Que força! E que soco no estômago!

Falando do PCP como nunca, da voragem e da dura militância, da perseguição interna e das escutas, da manipulação psicológica e do ostracismo como nunca.

Gritou em silêncio que só queria ser livre outra vez.

Ter direito a duvidar daquilo porque lutou até à morte.

E isso é comovedoramente belo.

Contou desassombrada que quando rompeu de vez com o Comité Central fez um esforço brutal para não perder o tino mas não resistiu a esvair-se em lágrimas no primeiro táxi que apanhou.

“O homem reconheceu-me de algures e disse-me que vinha a ouvir na rádio aquilo por que estava a passar. Não me cobrou a bandeirada”.

“Adoeci profundamente. Tive hemorragias enormes e estive tuberculosa durante a gravidez. Espreitei o lado de lá”.

É preciso tê-los no sítio para se despir assim em público.



Do último encontro com Cunhal, duas frases.

Disse-lhe ele: “Nunca mais vais ser ninguém”.

A cachopa responde-lhe à letra: “Espero que dures o tempo suficiente para veres que estavas errado!”.

Eh pá! Temos miúda!

E muita coragem. “Há os que dizem que saíram em discórdia com o processo mas em consonância com os ideais. Pois eu saí em ruptura com tudo. Quando fui, fui e soube donde estive. Quando saí, saí só. Desacreditei-me e hoje sou capaz de ser livre outra vez”.

Sorriu.

O livro que acabou de editar, de memórias, intitula-se “Foi assim”.

Está na lista de Verão.

Deve estar tenrinho.

Vale pela ousadia e eu prometo que onde quer que a veja, lhe hei-de espetar dois beijos e louvar a frontalidade.

Mesmo que não concorde nada... mas há coisas que por muito que nós discordemos, nos temos mesmo assim de vergar... nem que seja pela coragem!

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