quarta-feira, 1 de abril de 2009

Diário de bordo de um esquimó - Parte III


Caía um nevão daqueles...
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O jantar de ontem foi algo de verdadeiramente inesquecível. Tendo sido oferecido pelo Município local, não se poderia esperar outra coisa que não muita qualidade, luxo e sofisticação mas creio que nenhum de nós, na verdade, esperava algo semelhante.

O nosso motorista guiou-nos com muita habilidade por uma estrada gelada e parámos, ao fim de cerca de 25 minutos, num sítio muito parecido com o meio de nada. O restaurante Tundra, impressionante nem que fosse só pelo nome, aguardava-nos coberto de neve, com as suas cores vermelhas garridas, sorrindo-nos numa imensidão branca e eu não conseguia parar de pensar no vídeo do “Last Christmas” dos Wham. O cozinheiro esperava-nos à porta, sorridente e de braços abertos e pensem vocês na diferença… já há coisas que eu não preciso de dizer aqui. One gets used to it!

O restaurante situava-se no primeiro andar onde um empregado de meia idade que já correu e conheceu o mundo inteiro nos deu as boas vindas com um sorriso franco e um champanhe cava gelado.

O Restaurante Tundra...

Recebidos com honras de Estado

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A mesa era enorme, elegantemente decorada e o que se seguiu então foi uma demonstração de como a alta cozinha pode ser verdadeiramente suculenta e saborosa. Um espanto! Abrimos com uma salada, à qual se seguiu um salmão praticamente cru mas sabiamente cozinhado, num ponto em que mantinha todas as suas propriedades naturais e sabia de excepção. Após, proporcionaram-nos um “white fish”, como eles lhe chamam, também excepcionalmente trabalhado e sempre acompanhado de maravilhosos vinhos importados da América Latina, México e Chile. Foi então que pensei que poderia adaptar-me com muita facilidade à condição de rico. Sim, hoje estou certo: eu seria rico sem qualquer tipo de problemas. Acho que é fácil. Só falta o dinheiro.

A sobremesa conheceu um espirituoso que me recordou o moscatel e enquanto cafézava, troquei algumas impressões com o chefe de mesa, que apesar dos maneirismos me pareceu verdadeiramente simpático e interessado. Ofereci flyers da minha terra e recomendei-lhe os tintos alentejanos, sobretudo, claro está, os de Portalegre e Estremoz. We’ll be in touch!

Durante o repasto, o perfume mágico do néctar dos deuses libertou os convivas e brincámos e divertimo-nos imenso. Descobrimos inclusivamente que poderíamos vir a ter futuro enquanto grupo de forcados, especialistas na pega de caras às renas, onde eu seria o cabo e a restante companhia aportaria ao espectáculo o melhor de cada um dos seus países. A saber… a inspectora austríaca faria o “iodeling” de apresentação, intervalo e encerramento; a italiana Alessandra venderia pizzas, o turco Ahmet faria stand up comedy, os franceses trariam os queijos e a gastronomia local e o nosso director Pekka, sugeriu um número de magia da sua parte… enfim… rimos a bom valer, sobretudo quando lhes contei que não era novato na coisa, e lhes falei da mítica carreira do glorioso Circo Cardinas. Muito divertido, mesmo…

Nice place, indeed!

A vista para o exterior


Primeiro estranha-se... depois entranha-se

Muito, muito bom!

Olhá queijadinha de Sintra!

O discurso do homem forte da visita, Mr. Pekka
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Tive oportunidade de falar aprofundadamente de aspectos mais sérios com o nosso director Pekka e foi um diálogo verdadeiramente memorável. Estava meio esquecido que ele era professor de Filosofia de formação e começámos por ali a tentar desfiar o novelo do sentido da vida e creio que fomos bastante longe. Abordámos Kant e os sentido da sua dialética, confessei-lhe a minha paixão pelos existencialistas, Por Kirkegaard e Sartre e pela forma como o Albert Camus me deu a volta ao miolo com pouco mais de 16 anos quando as páginas da sua prosa violenta me esbofetearam a consciência em marcos inesquecíveis como “O estrangeiro” e o “Mito de Sísifo”. Tenho realmente pena quem não tenha podido guardar aquele momento para sempre num registo qualquer da minha vida. Jamais me esquecerei. Disse-me: “a natureza é a minha religião. Consigo passar horas a caminhar pela neve fora, sozinho e ser tão feliz apenas com silêncio e nada mais…”.

Enquanto o ouvia, via a neve cair copiosamente lá fora e cobrir tudo à volta com o seu espesso manto e pensei: “Deus do Céu, mas que faço eu aqui? Como pude eu cair neste lugar quando tudo parece um sonho?”. Ambos concordámos com a força do destino e creio que ficámos quites com isso. É um homem mesmo muito encantador. Pensei que se por aqui morasse, seriamos grandes amigos e teríamos muito que falar. Acho que vou sentir a sua falta também.

O andamento da turma estava bom e havia fiesta! no hotel, com a actuação da Tanssiorkesteri Pekkaniskan Pojat. Aproveitámos para tomar algo no bar e eu sentei-me no salão a apreciar os gestos, a forma de dançar, a forma de falar e de se mover desta gente. É estranho como somos tão diferentes em tanta coisa. Dançam umas modas assim aos pulinhos, lado a lado, rodopiando… uma graça... Anyway, reparei que mudavam imenso de casais e que havia ali muita coisa em jogo quando decidi recolher aos aposentos, para exercer a minha vocação de escriba, mas não sem antes apreciar a sessão de Karaoke de um rapaz que mais parecia que o estavam a matar… Ruim…………..


O gentil empregado muito bem acompanhado.

As minhas colegas disseram-me acerca de uma conversa da idade, que achavam que eu tinha 45 anos. “Estou assim tão estragado?”. “Nada disso! É pelo cargo que ocupas e pelos cabelos brancos…”. Sendo assim… Mas para compensar, ao comentarem a minha imitação do nosso colega grego, o fabuloso Mário, obtive um “oh Petru… you’re so funny. You should try theatre”…

O lago gelado...

A estrada gelada...

E o nosso infatigável motorista. Uma classe!

E o seu maquinão!
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De manhã visitámos a escola de Posio, a 45 km e cerca de 60 minutos de viagem daqui, passando pelo maior lago da região, o gigantesco, Yli-Kitka. Fomos recebidos pela Ms Marju Sano, conselheira dos alunos e directora, que disse “bem-vindos à Lapónia”, uma área que há 200 anos era representada nos mapas como habitada por monstros imaginários de tão inóspita que é.


A Escola de Posio

Estava num placard e eu gostei tanto...

A directora durante a sua palestra

Jogando, vejam bem... hóquei sem gelo e sem patins!
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A localidade tem tantos habitantes como o concelho de Marvão (3.900) e a escola que vai do Jardim-de-Infância até ao 9º ano, tem 482 alunos. A interioridade e a dispersão são tais que planeiam fechar as escolas e juntar tudo numa super até 2013.

Disse a senhora que mais de 50% dos alunos têm de ser transportados e fazer cerca de 50 quilómetros até ali chegar. Ela própria tem de sair de casa e viver ali durante toda a semana, regressando ao lar apenas no final e pergunta-se diariamente onde vai ver dos alunos e que será dos professores? E eu disse-lhe que se tranquilizasse porque não é a única no mundo. Na verdade, ouvindo-a falar assim, disse-lhe que se tivesse o cabelo escuro em vez de louro, o seu discurso passaria perfeitamente pelo de uma colega portuguesa. Ela riu-se imenso e sei que ficou algo reconfortada. “O nosso problema é como manter viva esta área… Esperemos que o Governo nos ajude mas o governo só quer é cidades…”.

Onde é que eu já ouvi isto?

Bem haja pelo almoço na cantina. “É porco?”, perguntou o turco. “Não… beef!”. “Ah ok! Put some more, then…”.

Na aula de Inglês...

Quando se é adolescente... é-se igual em toda a parte do mundo.

A refeição na cantina: muito digna!

Os soldados locais falecidos durante as grandes guerras
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Next… shopping time! numa das mais conceituadas fábricas de cerâmica e decoração da Finlândia, a Pentik, uma coisa mesmo cheia de estilo. Acabei por entrar por cortesia, apenas para ver, deixei-me levar e acabei por comprar prendas para o pessoal todo que queria. Muita qualidade…

Detalhe da exposição da Pentik

A casa emblemática...

Confortável, robusta...

Sempre sonhei em ter um espaço como este...

Ainda andei à procura da Heidi... mas nem vê-a

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De seguida passámos pela localidade de Ruka, a maior e mais famosa estância de ski da Finlândia, lindíssima, com as suas casas de madeira e as maravilhosas rampas de descida e de saltos. Ali fomos apresentados à Ruka Elementary School que tem do ensino pré-escolar até ao 9º ano e se distingue pela qualidade das instalações, pelo ar acolhedor (parece mais um lar que uma escola) e pelo nível do pessoal. Na verdade, nem todas as escolas se podem gabar de terem fotografias autografadas pela equipa norueguesa campeã do mundo de saltos que ali faz estágios com frequência…
Ruka Elementary School

Ao longe, a muito famosa estância de ski
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Learning some more...


Isto parece uma escola?



My friends! Kiitos!
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Para mim, o momento alto do dia deu-se de seguida quando Jyrki, o nosso Vice-Director e incansável anfitrião, fez das tripas coração para conseguir forma de interagirmos com as renas. Levou-nos à quinta de um amigo de um amigo, numa estrada impensável e foi realmente intenso demais e creio que as imagens dizem tudo. O sol abriu neste preciso momento e há coisas que nos ficam gravadas com uma força que… acho que nunca mais saem.
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O chefe. O líder.


Aproveitei a deixa para ordenhar a vaquinha. "Lucrécia... quietinha com o rabo! Que diabo!".
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Seguiu-se uma simpática visita à fábrica local de queijos Juusto Kaira, CO; onde cumprimos todas as normas de higiene e segurança no trabalho e pudemos conhecer esta importante unidade fabril a laborar desde 1955, que conta actualmente com 90 empregados permanentes e produz segundo explicou o guia, 6 milhões de quilos de 4 variedades de queijinho por ano. É letra!

Tempo então de voltar para o hotel para a primeira sessão de trabalho do relatório de grupo. A coisa promete…

Juusto Kaira, CO (fábrica de queijos)




Amanhã haverá sauna seguida de mergulho em pleno gelo e sexta... programa extra com passeio em mota de neve e trenó puxado por renas, pago à parte mas... que se vittu!
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1 comentário:

nuno mota disse...

deve ser uma viagem inesquecivel!!! Que coisas e lugares maravilhosos !! Estou deveras fascinado, é o termo !!! Diverte-te e aprende mais para nos contares ( se possivel em livro rsrsrs ) Abraços grandes !!!!