Fomos daqui todos três a caminho de Lisboa, em excursão familiar, para a ecografia morfológica da nova contratação.
Parámos na clínica Maternus, modernaça e com ares chique, bem próxima da Segunda Circular, a poucos metros do Colombo e da Catedral da Luz , o que calhou bem a todos, por diferentes motivos.
Eu estava nervoso, bem mais nervoso que qualquer uma delas e fiz um esforço para não me revelar. Na verdade, acho que estava mais nervoso do que alguma vez a Cris vai estar, incluindo mesmo antes de dar à luz. É nestas alturas que percebo a sapiência da Mãe Natureza ao ter reservado a exclusividade destas missões para as mulheres. Isto não é coisa de gajos…
O médico era um jovem de ar simpático com quarenta e muitos e óculos à ponta do nariz que o obrigavam a inclinar a cabeça para trás quando nos queria olhar de frente. A sala era pequena e escura e a cachopinha que fazia de assistente parecia uma hospedeira de bordo que tinha decidido mudar de vida depois de meia dúzia de sustos por esse mundo fora. Trocou o uniforme azul e o cabelo apanhado por uma bata branca mas o ar era o mesmo. A máquina das ecografias era um aparelho enorme cheio de botões com um ecrã no topo e a Cris esticou-se ao comprido na maca para iniciar a sessão.
Ele espalhou-lhe um gel gelatinoso na barriga, encostou-lhe uma espécie de telefone branco e começou a transmissão. Eu, com a pequena ao colo, sentado num banco, acompanhava tudo num pequeno ecrã situado do outro lado da parede. Era uma televisão barata, daquelas que se compram em promoção nas grandes superfícies por 80 euros. Lembro-me de ter pensado: “com tanta modernice e finura, bem podiam ter um LCD daqueles de 107 centímetros. De certeza que o valor que vão cobrar na consulta a esta gente toda há-de dar para isso e muito mais… mas não. A minha sogra costuma dizer que é assim que se fazem as fortunas… poupando”.
“Então o seu médico já lhe disse o sexo do bébé?”.
“Não tem a certeza, mas diz que lhe parece uma menina…”.
A primeiríssima imagem que apareceu no ecrã afastou todas as dúvidas e colocou um ponto final imediato nas esperanças vãs do meu sogro de finalmente ter direito ao ponta-de-lança com que sempre sonhou para o Arenense. “Ao menos sempre se livra de ir a pé a Fátima, como tinha prometido…” pensei, enquanto me ria sozinho.
Alice. Alice será.
A rapariga esta não podia ser mais óbvia e exuberante. Quis Deus que a primeiríssima imagem dela fosse assim, com a pechonchita em grande plano, como se estivesse a descer nua de páraquedas.
O homem começou a analisar tudo em pormenor, com grande detalhe e eu e a pequena acompanhámos em silêncio religioso, com a atenção e a emoção com que dantes se ouviam os relatos de futebol nos rádios dos cafés.
“Cabeça… normal. Membros superiores… membros inferiores, bexiga, rins, coluna… tudo normal…”.
E nós em suspenso, ganhando fôlego, ânimo e alívio a cada ponto marcado. Só nos faltou fazer a onda…
E quando apenas faltava ver o coração, a pequena decidiu meter-se encarquilhada e não deixou lá chegar a máquina nem por nada.
“Desculpem lá mas têm de esperar… Enquanto assim estiver… não dá…”, e lá fomos nós para a sala, a fazer tempo, a ver se se decidia.
Entretanto iam chegando mais mulheres grávidas, muitas mulheres grávidas, tantas mulheres grávidas, umas com as mães, outras com os namorados e maridos, outras com amigas e saiam lá de dentro todas a sorrir, com ar satisfeito e eu também queria mas a minha não deixava.
Fui-me entretendo a olhar para as pessoas e a imaginar de onde eram, o que faziam, se estavam casadas ou não… enfim, uma estratégia meio psicótica para ir passando o tempo.
“Vamos ver se já está?”.
“É o estás… é! Nada! A torta da cachopa pá! Tem a quem sair…”.
“Olhem, vão dar uma voltinha às lojas. Pode ser que ela se decida”.
E não é que decidiu mesmo? Gosta da gandaia. Estou feito…
“E prontos, está tudo bem… boa viagem… felicidades… quantas horas para Marvão? É longe…”.
E bem, nós três que não cabíamos de contentes. Agora é a ansiedade do tempo que não passa…
E eu que ando cá com uma vontade de a ter nos meus braços, cheirá-la, sentir a respiração de passarinho no meu pescoço… dar-lhe banhinho, espelhar os cremes, metê-la encavalitada no ombro para arrotar depois de beber o leitinho, vê-la sorrir e balbuciar as primeiras palavras, vestir-lhe os fatos da mana e da prima… Adormecê-la e deixá-la descansar no meu peito…
(suspiro)
2 comentários:
PARABENS...é tão bom saber-mos que está tudo bem. Quanto ao ponta de lança, será para a proxima. E porque não uma ponta de lança feminina??
Parabéns Pedro. Em breve mais uma integrante para a família Sobreiro.
Grande abraço.
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