domingo, 13 de janeiro de 2019

The Show must go on (como eu vi a Bohemian Rhapsody)

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Muitos anos depois… regressei ao cinema… a sério. E foi toda uma emoção. Eu nunca deveria permitir-me tão grande afastamento, daquela que considero a arte maior. Mas as contingências, sobretudo a distância da sala, assim o ditam. Contudo, longe de computadores, tablets, ou televisão de casa, dispositivos “menores” para se ter noção de uma obra, voltei a uma sala com todas as condições de som e imagem, para ver um filme que queria.


Quando soube do lançamento do filme autobiográfico sobre Freddie Mercury e os Queen, “Bohemian Raphsody”, comentei com o meu cunhado e Amigo, Fernando Dias, que sabia grande fã da banda, que teria todo o gosto de poder assistir ao seu lado. Como sou de palavra, quando soube pela sua Maria, minha afilhada, que viria a Portalegre, agendei logo para estarmos presentes. Foi, afinal, o melhor que fiz, porque as sessões disponíveis esgotaram, provando que a devoção pela banda ainda está bem viva.




Naquela sala completa, aconteceu a magia do cinema, porque, partindo do pressuposto que aquilo a que assistimos é baseado em factos e acontecimentos reais, fiquei fã do Homem e da banda.


Tenho de confessar que sou um indivíduo que por mais aberto que queira ser, sou preconceituoso, tradicional e limitado. Sempre tive dificuldade em aceitar uma banda com um vocalista e frontman que sempre se assumiu como gay deliberado. Eu sempre o “conheci” assim, e sempre me pareceu que as palavras que cantava eram destinadas a… homens, o que fazia com que não encaixassem em mim. Atenção que uma das minha bandas de eleição são os Smiths, e o seu vocalista Morrissey, é um homossexual assumido mas… sempre me pareceu que dissimulava mais, que não era tão explícito, o que se coaduna com a minha opinião com essa matéria: cada um ama quem quer, devemos compreendê-lo e aceitá-lo por isso. Mas, uma coisa é um homem que gosta de homens, com eles mantém a sua intimidade e sexualidade, em privado; outra coisa é uma bicha cadela histérica, cheia de trejeitos, tiques, e toques. Sempre achei que o Freddy era um desses. Acho que por isso, nunca fui fã, nem nada que se parecesse.




Depois, a minha onda sempre foi muito mais de rock’n’roll. Sempre fui de Rolling Stones, sempre fui de Beatles, sobretudo na fase “Revolver”, embora adorasse a fase ié-ié das gravações da BBC que ouvi até à exautão, onde dissecaram os seus ídolos do rock’n’roll primário (Chuck Berry, Bill Haley and the Comets, Little Richard, Elvis the King, Buddy Holly). Sobretudo, sempre fui dos Doors, a maior banda de sempre, encabeçada pelo maior poeta, cantor, artista, performer da história da música: o Rei Lagarto. Ainda hoje sei que só em pensar em ouvir os vinis todos de empreitada, que redescobri há dias, parece que entro noutra dimensão.


Aconteceu magia porque descobri um Freddie que não conhecia, com características que achei muito interessantes. Descobri um Freddie rebelde, que adorava ir contra convenções e estereótipos (we are misfits, playing for misfits); um Freddie visionário, sobretudo na sua concepção musical (mais visível na integração de elementos sinfónicos na composição, e na forma de gravar instrumentos em estéreo), um Freddie apaixonado pela vida e pelo facto de estar vivo, um Freddie excêntrico (o episódio da festa em sua casa onde manda entrar anões e coxos, padres e loucos, entre outras figuras desalinhadas da sociedade, é emblemático). Descobri um Freddie que… passei a gostar.




Gostei particularmente da crença incrível que sempre teve no seu valor e capacidade. De criança rejeitada chegada da colónia britânica de Zanzibar, hoje parte da Tanzânia, descendente de pais muito conservadores, limitados, e presos à religião que professavam; uma criança/jovem com uma dentição muito estranha e disforme, que chegou a trabalhar a carregando malas no aeroporto, sempre acreditou que um dia, seria capaz. Essa crença que a sua altura haveria de chegar, que deveria conseguir dar o salto, é constante e avassaladora. Só assim se consegue explicar, e entender a forma arrogante como aborda a banda onde tocavam os músicos que haveriam de ser os seus futuros colegas. Depois de conseguir espaço, a sua exuberância enquanto performer (até na roupa que envergava, muito comprada à, e com a mulher da sua vida, que eu desconhecia a existência), a sua extensão vocal, e os seus conhecimentos musicais fizeram o resto (aprendeu piano desde os 7).












Toda a fita mantém o ar um biopic ao melhor estilo road movie, registado com muita competência pelo jovem realizador Bryan Singer (mais especializado em super heróis e ficção), como se de um documentário se tratasse, com recurso a muitas cenas que parecem decalcadas do real (a atuação do Live Aid parece a verdadeira! Eu até comentei com a minha Leonor, que estava a meu lado, que me recordo perfeitamente de estar na minha casa da Beirã, com 12 anos de idade, a assistir àquele concerto, em direto. Ela, nesse então, deixou cair a cabeça sobre o meu ombro, numa das raras manifestações de carinho que a adolescência estranha e rara (como todas, afinal, mas esta é a minha, agora) lhe permite.)





A aclamação da obra nos Globos de Ouro, prémios cinematográficos atribuídos pela Associação da imprensa estrangeira especializada, nos States, que são um excelente indício para os Óscares, foram extremamente favoráveis (melhor filme em 2019), embora ache muito difícil que os membros da academia cedam a uma fita tão popular e… televisiva na forma de filmar. Mas se é difícil ser por aí, para a obra em si, já o protagonista Rami Malek tem, quanto a mim, dependendo sempre da concorrência direta, fortes possibilidades de ser aclamado como melhor ator, porque tem um desempenho… tocante (venceu o Globo de Ouro de melhor ator de drama 2019).




O "Freddy de 2018", com os sobrevivos Queen, Brian May e Roger Taylor 


Rami Malek caminhando para a estátueta dourada

De resto, por tudo o que digo aqui, foram mais que bem empregues as 2 horas e um quarto investidas no escurinho do cinema, numa fita que nos faz voltar atrás no tempo, e reviver toda uma época, a bordo da nave espacial de banda Queen. Um filme com belíssimas interpretações (os atores que representam os restantes membros da banda estão muito, muito bem, chegando mesmo a parecer sósias) que nos ajudam a perceber lados que me escaparam, talvez por não estar muito alinhado com ela. Desconhecia, por exemplo que a atuação apoteótica no Live Aid tinha sido antecedida de um processo de desintegração prévia, ou a forma como os restantes membros straight, ou seja, que gostavam de mulheres, sempre alinharam com as excentricidades do bardo, que mais parecia talhado para uns Village People, ou frequentador permanente do icónico bar gay do cinema, o Blue Oyster das Academias de Policia.  


Pois sim, claro que aconselho. Os fãs… que levem pacotes de lenços de papel. Os outros, que apreciem porque é meritório.


In memoriam, a atuação original...




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