quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Viagem a Lisboa II - “Sinais dos tempos”


Na pausa para almoço, dou um giro em volta e afasto-me das luzes das câmaras. “De tarde é mais para a imprensa. Vem o Ministro e a televisão. Não haverá nada de novo, para além do que aqui foi debatido de manhã”. Interpreto as palavras do assessor como um convite ao desafio. Estar em Belém, no CBB e não espreitar a colecção do Berardo, parecia-me sacrilégio. O estômago reclama. O relógio confirma que é mais do que tempo para meter algo dentro. Dou uma volta pela área e caio num óbvio Macdonald’s, sim, porque eu sou dos que desfruta muito do menu. Situado num rés-do-chão bem antigo que conserva a traça da época, decorado a rigor, pareceu-me um espaço agradável. Sento-me ao lado de três espanholas, mãe e filhas que ficam surpresas pelo meu pedido em castelhano de licença para me sentar nos únicos lugares disponíveis ao seu lado. Nem eu sei bem porquê é que não falei em português. Acho que foi um reflexo condicionado.

Enquanto decoro as batatas com ketchup, dou por mim a pensar que eu sou do tempo em que abriu o 1º Macdonald’s de Portugal, ali ao Saldanha. Ainda me lembro de ver a fila para entrar, que dava voltas ao quarteirão. A voragem dos tempos é tanta que parece que estou a falar de algo que aconteceu há séculos. Na verdade foi só um.

Uma mensagem do telemóvel recorda-me que nessa altura, em 94/95, também estes aparelhos pertenciam ao exclusivo domínio da futurologia. A malta ia às cabines telefónicas e não dava jeito nenhum namorar com um marmelo atrás a rir-se dos beijinhos que seguiam pela linha fora em sussurro. Mas era o que havia…

Como não havia Internet. Se queríamos saber mais, íamos às bibliotecas, consultar os calhamaços cheios de pó, cujos ácaros faziam um festim quando descobriam a minha bronquite alérgica. Uma vez em plena Biblioteca Nacional, escarafunchando arquivos para encontrar as entradas certas para um trabalho sobre as Cruzadas, deu-me tamanha crise que tive de ser rebocado pelos colegas para um espaço com mais ar. Naquela altura saber muito não dependia apenas da sede de conhecimento. Dependia também de uma extraordinária compleição física! E era um autêntico desporto radical.

Nem Messenger, nem vídeo-conferência, nada! Nessa altura os discos não se sacavam da net, só se compravam nas lojas. Os jornais só se vendiam em papel e quem quisesse ir a correr e a ouvir música, tinha que levar um gajo atrás com um carrinho de mão para transportar o rádio. Mp3? Era ficção científica.

Nessa altura não havia correio electrónico. As cartas eram escritas em papel e levadas pelos carteiros ao seu destino, como aquelas que o meu pai me escrevia para contar três ou quatro mexericos cá da terra e para terminar dizendo que a conversa toda era só para distrair, porque o que me queria mesmo dizer era que tinha muitas saudades minhas. Essas eram aquelas cartas que mal as via chegar, esgueirava-me para a casa-de-banho, onde sabia que podia chorar sozinho sem ninguém me importunar. Ainda as tenho guardadas no sótão, mas ainda não sou capaz de lhes mexer.

Eu a falar de Internet! Nesse tempo nem sequer havia computadores. Era tudo feito à unha! À unha e com um lápis ou esferográfica. Na minha faculdade havia para aí 2 computadores que mais pareciam arcas frigoríficas e três máquinas de escrever.

Quando se queriam tirar fotografias, tinha de se meter um rolo e levar à casa para revelar. Isto é muito divertido de se recordar.

Olhando para a televisão, também me ocorre que foi então que Portugal passou a ter mais dois canais de televisão, a SIC e a da Igreja. Até aí era tudo muita cinzento, muito triste e apático. TV Cabo? Sonhei muitas vezes com ela antes de existir.

Saio para a rua e passa um carro com o GPS a dizer ao condutor qual o melhor caminho para chegar onde ele quer. Rio-me por dentro. Lisboa é a mesma, mas o mundo não tem nada a ver com o meu de então.

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