quarta-feira, 14 de novembro de 2007

A tua Guerra (como nunca a vimos)

1. Nota no verso: Um bocadinho triste, mas é só para a fotografia ficar melhor. Cá ando com as minhas velhas patilhas…


2. Nota no verso: E esta pega de cernelha? É pena é já estar morto. Beijos. Dai.


3. Nota no verso: Regresso ao quartel de uma patrulha ao Quanza. Que tal a careca?
4. Nota no verso: Desafio de futebol do meu pelotão contra a formação em Vila Gamito no dia de Natal. Desta vez fui o árbitro.


5. Nota no verso: O meu amigo funcionário da fronteira do Malawi quis tirar uma foto comigo e aqui está o resultado. Beijos para os meus santos pais e Cali. Dai.

6. Nota no verso: Quando voltar vou levar uma para ir para o circo. Esta ainda é pequenininha… mas já mete respeito! Por aqui há muitas. Para os meus queridos todos.

7. Nota no verso: De quem nunca vos esquece. O caõzinho é um dos meus amigos cá do sítio. É um pastor alemão.

8. Nota no verso: Não há azar! Aqui não há crocodilos!


9. Nota no verso: Careca e triste por não te ter junto a mim. Um beijo do teu Dai.

Eu já sabia há muito que essa maravilha da natureza e da portugalidade chamada Catarina Furtado não tinha sido a única obra de arte produzida por Joaquim Furtado.

Jornalista de craveira de uma geração que inclui nomes-mestres como José Barata Feyo ou Miguel Sousa Tavares, primou sempre pela qualidade e pelo rigor, tendo-se destacado por cultivar a discrição. Conheci o seu trabalho há muitos anos quando uns livros de grandes reportagens aterraram lá em casa pela mão da minha mãe. Estes jornalistas aventureiros e socialmente empenhados tiveram a sua quota-parte de responsabilidade pelo percurso de estudos que viria a escolher depois.

Tudo isto a propósito da série documental “A Guerra”, da qual toda a gente já ouviu falar. Depois de alguns episódios, não restam dúvidas de que estamos perante um trabalho portentoso, de uma qualidade sem par, que pratica a excelência de um serviço público de televisão como não estamos habituados há muito.

Depois de ocupar lugares de destaque na RTP, à qual esteve desde sempre ligado, voltou a exercer em pleno dedicando-se aquele que pode muito bem vir a ser o trabalho de uma vida. Foram 8 anos de investigação e recolha, muitos milhares de quilómetros de fitas, centenas e centenas de horas de entrevistas e um notável trabalho de articulação que nos é agora oferecido a troco de nada. Basta carregar no botãozinho e ver.

Na verdade, a fórmula já foi inventada há muito e bebe directamente da escola da BBC e do célebre “60 segundos” (actualmente no SIC Notícias). Nada de novo por aí. Mas o exercício é cumprido à letra e passa, na minha cotação privada, com louvor e distinção.

Denota-se a preocupação de separar os episódios por temas aglutinadores, não se cingindo à mera escala cronológica, ajudando assim a criar uma memória colectiva da vivência da vida ultramarina que extravasa em muito o título escolhido. Estamos perante um território que vai muito para além do conflito armado.

E depois temos a visão das diferentes partes que se conjugam, cruzam e questionam, arredando as visões moralistas e colonialistas, abrindo a cada um o seu próprio espaço de opinião.

Contudo e apesar de tudo o que se possa dizer, pode ainda ser cedo demais.

As longas e profundas feridas abertas por uma guerra que rasgou um século e deixou em carne viva a nossa memória colectiva ainda estão longe de estarem saradas. Há ainda muito corpo por enterrar, muita memória latente, muita dor e muita lágrima encoberta.

Compreendo o frenesim dos ex-combatentes que trouxeram o assunto para as conversas de café e correm para casa para não perder nem um segundo… mas para muitos deles, será o regresso a um lugar inóspito da sua vivência que poderá acordar fantasmas.

O stress de guerra existe de verdade e tive oportunidade de falar com alguns ex-combatentes que sabem que sofrem mas não conseguem encontrar a coragem de dizer o porquê desse sofrimento que os persegue. Pode ainda não ser momento para eles também.

E depois há sempre um medo fratricida, de ver ali exposto como nunca, o lado mais negro do nosso sentir lusitano.

Ao ver aquelas imagens, ao aprender esta História de Portugal que apenas conhecia das imagens dos livros de estudo e do arquivo familiar, convivo pela primeira vez com um período com que jamais contactei nos bancos de escola. Se agora pode ser cedo, nos oitentas ainda ninguém ousava falar.

À medida que os segundos passam, um misto de vergonha e de revolta amargam-me a boca. Foi tudo duro demais. Foi tanta coisa má demais que o fim só podia ser este e não outro.

Para mim, foi sobretudo o primeiro verdadeiro contacto com uma realidade que tantas vezes quis saber pela boca de quem me era querido e lá esteve e do qual pouco ou nada pude arrancar. Às vezes, num jantar ou noutro de família, lá saia uma memória que de pronto se desvanecia em novelo na garganta e se esfumava nos olhos rasos.

Devem ser umas terras magníficas, aquelas. Deve ser um clima magnífico e umas gentes de encantar. Devem ter sido uns tempos terríveis para viver.

Muitos partiram sem saber para o que iam. Muitos sabiam que jamais regressariam. Para uns foi uma festa, com marisco e muita cerveja e boas colocações. Para outros foi um autêntico Vietname, uma cruz gravada a fogo para o resto da vida.

Ao recordar, uns choram e outros riem e nós, que nascemos fora de tempo para saber o que realmente se passou, passamos a poder saber de que massa somos feitos e o porquê de tanta coisa que só agora se tornou clara.

Assim sim, vale a pena pagar a taxa.

PS: Eu sei que tu também ias adorar tanto, João.

1 comentário:

jane disse...

Andava á procura de imagens de Moçambique quando vejo uma fotografia .Duas equipes de futebol e um árbirto, eu faço parte da equipe vestida de negro.depois chamou-me a atenção o nome do Autor do blogue,Pedro Sobreiro,disse para comigo,então mas este é o meu GRANDE AMIGO JOÃO SOBREIRO o Homem que sempre nos trazia uma certa alegria mais a sua viola.Tanta coisa passamos:da guerra não vale a pena falar pois a 2357 passou muito mas só quem o sentiu na pele é que sabe.mas ainda lembro com muita saudade uma coluna que fizemos a Tete estava lá o conjunto Oliveira Muge e o Amigo João já com umas cervejitas a gritar para eles (ó muge toca a dos elefantes )aquele pessoal todo a olhar, passado um dia ou dois tambem havia lá um baileco e no intervalo os musicos saiem do palco e o JOÃO não está com meias medidas salta para o palco senta-se á bateria e foi fantástico toda a gente o aplaudiu.Haveria muitas coisas para contar,umas alegres umas menos alegres e muitas muito triztes,mas a verdade é que sempre exitiu muita amizade entre todos que hoje se recorda com muita saudade.Mas foi com lágrimas nos olhos que no fim deste blog li :se o JOÃO estivesse presente:Será que o GRANDE em todos os aspectos JOÃO SOBREIRO já faleceu? Penso que Pedro Sobreiro seja filho, se é peço-lhe que sinta sempre muito orgulho no seu PAI. Joaquim Eliseu condutor da C.C. 2357.--j_eliseuu@hotmail.com