terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Perguntas que a minha filha me faz e às quais eu não sei responder


Uma das coisas que eu sempre mais quis desde que me lembro de mim é de querer saber. Sempre quis saber mais e mais e mais como se pudesse um dia ser mais rico, mais alto e mais forte por saber mais. Gostava tanto de saber coisas novas que não me cansava de perguntar e é por isso que um dos meus livros favoritos era o “Livro dos Porquês” que tinha um menino como eu na capa precisamente a dizer “porquê?”. Lá dentro, centenas de perguntas das mais variadas áreas eram decifradas em quatro ou cinco curtas linhas que apesar de breves, tinham o poder de abrir os portões do conhecimento.

Eu adorava aquele livro que lia e relia e tanto apreciava por me ajudar a fazer luz no meu mundo.

Vivi muitos anos na idade dos porquês. Na verdade, ainda hoje a revisito sempre que posso.

De forma que aguardei sempre com alguma expectativa que a minha pequena lá chegasse e acho que já por lá anda.

Hoje reparei como está grande... Tão enorme ao ponto de eu reparar nela quando me fitava com as duas azeitonas com que filtra tudo à volta, enquanto balançava os braços pendurados nos braços da cadeira.

“Onde é que tu tens os pés, Leonor?”.

“Ó pai… no chão! Onde é que haviam de estar?”.

E estavam mesmo e ela sorria, como que a roubar o pensamento que me perpassava naquele instante.

Está grande e pergunta. Às vezes… sem eu conseguir dar réplica.

1) O castigo

Há dias, quando entrávamos na escola pela manhã, encontrámos uma funcionária que questionava um dos colegas de sala da minha, com ar comprometido.

“Conta lá! Conta lá o que fizeste?”.

“Roubei”, disse ele com ar convicto.

“Roubaste quem, pá?”, disparei eu, aproveitando a deixa.

“Roubei os dois. A minha mãe e o meu pai”.

“Os dois?!?!?! Ena pá! Logo os dois? Então para que queres o dinheiro?”.

“Ora! Para comprar coisas para mim…”,

E nesse momento uma chamada de última hora impediu-me de chegar ao gozo pleno do interrogatório. O meu entusiasmo ao confrontar o rufia era tanto que me esqueci que ela, de mão dada, observava tudo atentamente.

Nessa tarde, quando em casa e arrumando umas roupas no armário, ouvi-a perguntar: “ó pai, e o meu colega **? Já viste o que ele fez?”.

“O quê, filha?”, inquiri, fazendo-me difícil.

“Olha, o que roubou! Roubou dois! O pai e a mãe! Já viste?”.

“Já vi, já! Já vi que fez muito mal e já vi que Nosso Senhor vai castigá-lo!”, disse eu armado em Ned Flanders dos Simpsons sem sequer pensar no que dizia.

“Deus é que o castiga? Como é que o castiga, pai?”

“…?”


2) Um país

Leio o “Expresso” esparramado em cima do sofá e prendo-me na fotografia de uma menina que corre com um grafitti belíssimo de fundo, com o logo da Coca-Cola e a inscrição “Kosovo Livre!”.

Ela olha-me por trás. Às vezes parece um caranguejo, com olhos por toda a parte.

“Mostra lá essa menina, pai. Isso aí diz o quê?”.

“Ó filha, é sobre um país novo…”.

“Diz lá pai, quem é que o inventou?”.

“As pessoas …”

e fiquei com a voz embargada. Esta é daquelas perguntas que sempre esperei que um filho um dia me pudesse fazer e eu, que já tinha de memória uma resposta ensaiada que explicava o drama dos Balcãs desde os ódios ancestrais às fronteiras do pós-guerra, que transmitia os pilares que sustentam um país e a importância de baterem certo com os de uma nação, que queria ali contar tanto sobre o que de pior há na natureza humana, os dramas dos extermínios e mais mil e uma coisas a propósito que não fui capaz de fazer nem dizer mais nada.

Pensando bem, talvez não houvesse muito mais a dizer.

O resto… há-de ela descobrir.

Por agora, cobiçar o casaquinho vermelho e a graça da brincadeira da menina que corre nas folhas de papel do jornal, é capaz de ser mais que suficiente.

1 comentário:

John The Revelator disse...

genial... para dizer a verdade tu já levas é um "grande baile". Por outras palavras, o curso de jornalismo não te ajuda em nada contra a mente brilhante da minha sobrinha/afilhada!