Que
boa que é a vida contigo.
Muitos
parabéns, querida filha.
Escrevo-te
na esperança de um dia poderes vir a ler, e compreender estas palavras, esteja
eu, ou não.
Vieste
muito desejada, querida, e tentada.
A
tua forma de ser e viver, vinha marcada no teu rosto quando chegou a estre mundo
todo arranhado pelas unhitas, ainda antes de estas verem a luz do sol.
Sempre
alerta, disponível, intrépida, espevitada, mesmo agora me disseste: “ó pai, o
meu Powerpoint (que estavas a fazer para a escola), está fantástico!”
-
“Isso imagino eu, filha!”, disse, “tem de estar…” (senão, tu nem sequer
descansavas…)
Quem
é que me haveria de dizer, meu Deus, que um dia haveria de ter uma filha de 9
anos que acabou de fazer num computador, um trabalho para a escola. É certo que
o pc é em segunda, ou terceira mão (do pai e mãe para a outra filha, e só
depois para ela), mas agora é teu, e isso é tudo o que interessa!
Uma
força de vida, é a designação que para mim, melhor a ti se aplica. A máxima de
não deixar ninguém a ti indiferente, é a tua natural imagem de marca. E que ainda
bem que assim é.
Hoje
de manhã, depois de os novos vizinhos me acordarem, como sempre, com o rugido
incomodativo dos motores a gasóleo a aquecerem tempos sem fim ao relanti, na
rua mesmo aqui em baixo, vieste esgueirar-te para a minha cama junto de mim,
quando a mãe e a mana já mexiam para o dia lá em baixo, uma a correr para o autocarro,
outra para passear o Sr. Sizzle. Deserto de descansar mais meia horinha, cocei-te
as costas como me pedes sempre, na esperança que me acompanhasses, e tu,
esticando-te hirta, num frémito, disseste: AMANHÃ FAÇO ANOS!!!!!!
-
“IUPIIII Alice…”, agora fecha os olhitos que ainda é muito de noite, e se
estiveres sossegadinha, o soninho bom vem a ver de ti.
Nada!
Nada, nada! Ao ponto de, amolado, ter fugido para a casa de banho para me
despachar, rosnando entre dentes que “se não queres dormir mais, para a próxima
fica na cama a ver bonecos na televisão, ou vai para baixo para junto delas,
mas deixa-me a mim!”
Reagi
demais. Desculpa.
Durante
o dia, tenho pensado muito como era o Pedro com 9 anos. Esse estava muito atrás
daquilo que tu és hoje, mas os tempos eram outros. Os brinquedos e mecanismos
que tínhamos ao nosso alcance, não nos permitiam dar o salto, é certo. Boa desculpa.
A
memória mais viva que tenho dessa altura está relacionada com o campeonato do
mundo de futebol da Espanha, personificada pela mascote “Naranjito”,
cristalizada num momento épico que foi o jogo em que os meus ídolos brasileiros
de então: Sócrates, Zico, Éder… caíram aos pés de uma Itália diabolizada pelo
pequenelho Paolo Rossi. O que eu chorei nessa tarde, sozinho, soluçando,
prostrado no chão da casa da minha avó Joaquina, de tal forma que a pobre teve
de ligar para o escritório onde trabalhava o meu pai, pedindo reforços:
-
João (o meu pai), o menino está mal. Só chora…
Já
era eu.
Cada
um é como é, e eu só tenho é de te aceitar como TU és. Gostava que fosses mais
carinhosa, mais querida, mais menina do papá, mais mimosa, mais bébézoca, mas
tu és… como te dá na veneta e na real gana. Continua a gozar comigo por ser
careca, e a ralhar-me por mandar o cão sair para eu me sentar, por segundo a
tua versão, ele já lá estava, e tem tanto direito quanto eu! Ainda assim, só
tenho é de dar graças a Deus por te poder ter. Tinhas 1 ano apenas quando eu,
por displicência, descuido, e estupidez, quase deitei tudo a perder, num
acidente estúpido, num dia tonto, sem qualquer outra legitimidade senão a
loucura.
Vingo-me
agora quando já dormes e antes de ir descansar, me aproximo de ti para te ver
dormir descansadinha, te beijar, rezar, dar graças a Deus e agradecer.
O
amor que sinto por ti não tem escala, medida, ou qualquer possibilidade de
diminuir. Dar-te-ei sempre tudo, como à tua irmã Leonor.
Ser
teu, vosso pai, é saber que por maior que seja a burrice que faças, eu estarei
sempre aqui de braços abertos, à tua espera, nem que seja a penalizar-me por
não te ter aconselhado bem.
Amanhã
teremos cá a dormir a tua melhor amiga, e iremos comer ao teu chinês favorito. Como
não pedes prenda e, graças a Deus, dizes que tens tudo (embora seja tudo em
segunda mão, gadgets e roupas, isso não interessa nadinha. Tens e prontos!) é o
mínimo que podemos fazer. Eu, e a tua mãe que, na nossa casa, é o pai também,
só queremos que sejas feliz, filha.
Que
Deus te abençoe.
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