terça-feira, 16 de março de 2010

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Eu estava a terminar um levantamento de dinheiro no único multibanco disponível na aldeia onde vivo e não me apercebi que entretanto alguém tinha chegado nas minhas costas.

Quando me virei, abordou-me, delicada: “Boa tarde. O senhor não se importava de me fazer um favor?...”.

Conheço-a apenas de vista. Devemos ter trocado dois ou três cumprimentos de circunstância, pelo que estranhei a confiança implícita na pergunta.

“Depende do favor, minha senhora. Só lhe posso responder depois de me dizer o que pretende de mim…”.

“Queria-lhe pedir se me levantava dinheiro. É que eu não sei ler… Nem sequer os números conheço… e ando desconfiada que ele me anda a tirar daí dinheiro sem eu saber…”.

Nisto levou as mãos à carteira de onde retirou o cartão e o envelope com o código secreto que me confiou de imediato, num gesto que me desarmou e deixou sem defesa.

“E quanto é que a senhora quer levantar?”.

“Tudo! Levante tudo!”.

“Isso não pode ser... Os levantamentos têm limite. O máximo por dia é de 200 euros. A máquina não dá mais que 40 contos”, disse-lhe eu, pecando por excesso como haveria de descobrir de seguida.

“200 euros?!?! Ahhh… mas isso não tem lá tanto…” e ficou a olhar à espera que eu tivesse uma resposta.

“E se eu visse o saldo primeiro? Assim já podia decidir melhor…”.

“Isso! Veja-me lá isso então!”.

“Olhe, são 129 euros…”.

“AI SIM? Ai o bandido… eu bem desconfiava… Ele tem andado fugido… Eu tenho mas é de me ver livre dele… Ainda ontem chegou bêbado… quis-me matar a mim e à minha mãe com um ferro… veja bem… ai eu… que sorte a minha… olhe! Levante-me tudo! É da maneira que assim já não me rouba mais nada! Prontos! Anda uma pessoa a trabalhar para um bandido destes… Levante-me tudo, se faz favor”.

“Tem a certeza?”.

“Sim, sim. Levante-me tudo”.

E eu assim, fiz. Quando lhe entreguei o dinheiro ainda lhe disse: “Veja lá… não me envolva em nada disto… Eu não quero arranjar chatices. Não quero ter problemas com ninguém. Já me bastam os que vêm ter comigo…”.

“Fique descansado”.

E cada um seguiu o seu caminho.

Enquanto caminhava para o carro. Na viagem para casa. Nesse serão e até hoje desde então, de cada vez que me recordo do episódio, apenas uma pergunta persiste sem resposta: “como é que é possível?”.

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