Eu e a minha Cristina damos-nos
muito bem. Muito bem mesmo. Tão bem (e olhem que penso muitas vezes nisto) que
parece impossível ser verdade. Conhecemos-nos tão bem, sabemos tão bem o que o
outro está a pensar que nem precisamos falar.
Hoje dormimos separados. Cada um
na cama da cada filha. Eu, na cama da mais pequena com a qual me tinha ido
deitar. Ela com a Leonor com a qual se deitou depois. A mãe esteve nos seus
trabalhos manuais pela noite fora e a mais velha a ver televisão. Acordámos
precisamente à mesma hora. Encontramo-nos no corredor. Demos um abraço. Ela
perguntou: “fazemos já a nossa cama?”. Respondi: “Isto é que está uma casa bem
arrumada! Os pais encontram-se para fazer a cama na qual nem sequer dormiram!”.
Damo-nos tão bem que a sintonia
até me assusta. Nunca discutimos. Será que isto é possível? Duas pessoas
entenderem-se assim tão bem? Isto assusta-me porque me faz lembrar o filme do
Drácula do Coppola, um dos meus favoritos de sempre. Nele, o amor entre o Vlad
Tepes, o empalador, e Mina era tão grande que eles se iam perdendo e reencontrando
ao longo dos tempos, ao longo das vidas. Dou graças a Deus por este amor ser
possível, por se terem encontrado duas almas gémeas no mesmo tempo de vida. Até
me parece estranho que nós tenhamos sido tão estúpidos que tenhamos encontrado
outras pessoas ao longo da nossa vida. Tão estúpidos que fomos que não percebemos
o que é óbvio por demais.
Mas hoje estamos bem. Calmos,
seguros, a viver um sonho lindo, numa casa linda e com duas filhas lindas. Eu
não tenho medo de invejas e macumbas por estar a dizer isto. Quando temos Deus
do nosso lado e acreditamos, nada tememos.
Mas a conversa que aqui hoje me
trouxe não é sobre o amor, sobre a Cristina e eu.
Venho aqui para vos falar na nossa
Alice.
É um ponto e por mais que se
diga, nunca é suficiente. Faço votos sinceros que isto do blogger nunca acabe e
ela possa no futuro mostrar aos filhos e netos o que escrevi sobre ela. Faço
votos que o blogger dure mais tempo que eu. Um diário passa de geração em
geração. Um diário online, público, do século XXI é coisa de nível e para
durar.
Nos últimos dias tenho estado de
férias, por cortesia dos meus colegas e chefes, Emília e João que mo permitiram.
Apesar de serem tempos trabalhosos dos últimos dias do IRS, deixaram que
tirasse estes dias para estar com a família: pequenas, mulher, o meu irmão,
seus filhos e mulher que vieram de propósito do Algarve, onde vivem. Nestes
últimos dias, a minha Cris tem trabalhado. Tenho sido eu o encarregado das
pequenas em casa. Um problema. Uma alegria mas um problema. Uma porque tem a
idade de já não querer tomar banho. Ser alérgica à esponja, vá, digamos assim. Guerras
todos os dias por isso. A mais pequena porque quer banho a mais. Uma de menos,
outra de mais. A sorte de um pai.
A Cristina disse que hoje, a
pequena não precisava lavar a cabeça porque ontem tomou banho. Eu sei que não
precisava, mas se tomo banho todos os dias e todos os dias lavo o pouco cabelo
que ainda vou tendo, porque não pode ou deve ela? Claro que lhe dei banho,
lavei o cabelo e vesti.
De manhã, a Cristina tinha ido às
compras cá para casa. Coisas que faziam falta para passarmos a Páscoa todos juntos
no domingo, como é tradição na família. Eu, voltei a estar de faxina. Dei
banhinho à marquesa. Correu tudo muito bem. Gostou de tomar, gostei de lhe dar
e ia tudo muito bem. Perfeito. Até que enquanto a limpava começou (do nada!) a
fazer uma birra.
“Alice, filha, mas porque é que
tu choras? Se o pai é tão teu amigo e te faz todas as vontades, porque é que
choras se estavas tão bem disposta?”
Ela continuava inconsolável.
Parecia que era o fim do mundo.
Até que abriu a boca, do nada,
diga-se bem claro: “É que eu quero ser loira!”.
“O quê?!?!?!?!”. (Pensei. Não com
tantas exclamações mas com o natural ar de parvo, agindo naturalmente, como se
não fosse nada comigo).
“Ó Alice: tu queres o quê? (para
me certificar, tinha de perguntar).
Em lamúria… “Eu quero ser loira.”
(Nota do redator: atenção que não é loura! É loira. É como a diferença de dizer touro ou toiro. Mesmo que o
gajo nos marre e mate, chama-lo de toiro, tem muito mais nível e cagança).
“Eu quero ser loira.”
Como se não tivesse motivo
suficiente para ir construindo este texto na cabeça enquanto fui passear com
ela e a Leonor na volta que demos ao bairro depois do almoço, a pequena de
bicicleta e a grande de patins, a menina Alice ainda se saiu com outra.
Combinamos que eu ia com elas dar
uma voltinha se dormissem a sesta de tarde. Claro que a Leonor já não dorme a
sesta mas a pequena tirana, se não dormir, não tem quem consiga aturar durante
a noite. Ficou combinado que depois do passeio, era sesta. (Quando comecei este
texto ainda não tinha dormido. Já lá esteve mais de uma hora com a mana, agora com
a mãe e ainda não conseguiu dormir. Agora está a dizer pelo intercomunicador
que já não quer dormir quando ainda não dormiu um segundo. É de desistir”!
A mãe diz-lhe e com razão: “és
feia. Fizemos contigo o que tu querias e agora não queres fazer connosco o que
prometeste. Agora disse-lhe que a trazia para baixo mas que se fizesse a primeira
birra, levava logo uma nalgada.
Desceram. Agora já tenho a
pequena aqui ao meu lado, a olhar para mim com ar sério. Como se não fosse nada
com ela.
Cá em baixo, a Cristina contou-me
a rir: “Disse-lhe que…”
“Eu ouvi tudo pelo
intercomunicador, Cristina. Não precisas…”.
A Cristina continuou, “mas depois
de desligar o intercomunicador, ela disse-me que não gostava do meu cabelo. Da
cor do meu cabelo. Disse-me que o tinha de ter vermelho. Ou melhor,
cor-de-laranja!”.
Dá para conseguir explicar a
complexidade de ser pai e mãe de uma criança assim?
1 comentário:
Gostei! Alice tem personalidade forte pelo visto, rsrs.
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