Hoje foi uma manhã de sábado
feliz. Desde que regressei à vida, todas as manhãs o são, mas esta manhã
particularmente. Já há muito tempo que não estávamos os quatro em casa num fim
de semana. A Cristina tem trabalhado sempre nos últimos e não temos estado
todos juntos. Esteve em Lisboa na Fil a representar o município, esteve no
posto de turismo, enfim. Hoje estávamos todos juntados, como diz a minha filha
Alice.
Como estávamos todos, eram
necessário realizar algumas compras do mercado. Como tinha de sair para comprar
o Expresso, hábito ao sábado, dei o corpo às balas. Deixei as mulheres em casa
e saí de peito feito e orgulhoso fazer os recados que a mulher me mandou.
Ao fazer as compras do dia
apercebi-me que a nossa terra é pequena mas tem de tudo. Somos poucos mas bons.
De recado aviado fui em primeiro
lugar à padaria do meu querido amigo de infância Filipe Maridalho comprar um
pãozinho de mistura para o almoço.
De seguida, encaminhei-me para o
mercado comprar feijão verde e bróculos para o almoço. A patroa mandou-me ir
ter com o senhor Garção.
Assim que se entra na porta
principal, logo à esquerda. Lá estava ele, todo sorridente, a cumprimentar-me. A
esposa e ele estavam contentes por me ver bem. Disseram-me que estava bem. Eu, fiquei
feito parvo a rir-me e disse a piada que agora vai sendo habitual: “vou bem,
graças a Deus. Sabe que isto quando a erva é ruim, não é qualquer mal que lhe
chega!”. Eles riram-se, não sei se por graça, se por complacência.
Feijão verde disse que tinha,
sim. Bom, belo e gordinho. Bróculos já não. Já se tinham acabado. A minha
Cristina bem me tinha avisado que quando lá chegasse já seria passado a hora de
ponta. Ele, muito querido, ainda foi procurar aos vizinhos de venda se algum ainda
tinha. Tiveram mas já se tinham acabado. Que pena... Bem, como já realizei mais
de metade dos deveres graças ao pão, o saldo não era mau.
Já não entrava no mercado há
séculos. Fiquei espantado por ter visto tão pouca gente. Poucos a vender e
poucos a comprar. Já vamos sendo realmente muito poucos. Os gajos lá de Lisboa
bem querem acabar connosco mas vão-se ver à rasca. Se fosse pela vontade deles o
país reduzia-se às cidades. Só elas tinham futuro porque têm muitas pessoas e
muitos votos. O interior não interessa. O interior é só meia dúzia de gatos
pingados. Gatos que dão mais trabalho que sei lá o quê. Qual povoamento uniforme?
Que se lixe a violência nas urbes. Amontoados estão melhor. É mais fácil distribuir
autocolantes para apanhar os votos.
Apesar de poucos, gostei muito de
ali entrar. Falar com as pessoas. Conviver. Sentir o pulsar da terra.
Passeei-me pelo mercado. Tirei umas fotos com o telemóvel. Dei os bons dias.
Que bem sabe dizer e ouvir os bons dias numa aldeia. Eles sabem lá.
Enfeirei na barraquinha das
farturas. Carinhas, a 1 euro, mas boas. A dona tinha ao colo uma bébé que não
reclamava. Nem do poleiro, nem do frio.
Como não tinha conseguido os bróculos,
lembrei-me de passar na nova venda da terra. Nos “Mimos da Aldeia” que abriram
na venda junto ao sr. João do Bento. O proprietário é um rapazinho novo do
concelho, creio que dos Alvarrões. Recebeu-me muito bem e tinha bróculos, claro
que tinha. Uma venda pequenina mas muito simpática que tem de tudo um pouco. Muito
adequada a quem por aqui vive. Muito boa para quem tem idade, está só e não tem
transporte para se deslocar a Castelo de Vide ou a Portalegre. Perguntei-lhe como
estavam a correr as coisas e ele respondeu-me que bem. Pareceu-me satisfeito
com os resultados. Eu fiquei muito satisfeito com a ida à sua venda. É capaz de
ter futuro. Oxalá que sim.
Junto ao sr. João do Bento, parei
para dois dedos de conversa. Parei para estar com ele. É um querido, um amigo
de longa data, um grande benfiquista. Uma daquelas amizades que herdei ainda do
meu pai que tinha uma enorme estimação por ele. Estimação que sei que era mútua.
O sr. João permitiu que lhe
tirasse uma foto na sua loja. Negócio já encerrado mas que continua a abrir só
para estar com os amigos. Eu compreendo. Conheço bem essa realidade.
É o que acontece com as minhas
querida tias paternas e o seu comércio na Beirã. Já fecharam a porta. Já
cessaram a atividade. Mas continuam a deslocar-se para a loja todos os dias
porque é ali o seu lugar. Entram as vizinhas para as cumprimentar, tomam um cafezinho,
conversam, fazem-se companhia umas às outras. Fico descansado porque estão
melhor ali que em casa, fechadas, à braseira. A envelhecer de dia para dia.
Lutam assim contra a
desertificação de uma Beirã que já não conheço. Eu que sempre serei e hei-de
ser da Beirã, já não me revejo naquela Beirã. Aquela não é a terra que era a
minha de criança. Já não é a Beirã pujante, viçosa, de pleno emprego. Uma terra
que era de serviços num Alentejo onde mandavam os trabalhos ligados à terra.
Dali segui para o outro comércio.
A terra é pequena mas tem um pouco de tudo. Vamos resistindo em todas as
frentes. Segui para a Ana Boto onde estive com o meu querido amigo Rui Boto.
Ali dei mais dois dedos de conversa. Conversa, simpatia… coisas boas que ainda
há nestas terras pequenas.
O pai ajudava e o filho, o meu grande amigo Rui Pedro trabalhava afincadamente para escavar as raízes da árvore no jardim em frente à junta de freguesia. Apesar de ser sábado, trabalhava sem cessar, a ver se ajudava o país a sair da crise.
A vida numa aldeia. A vida na
minha aldeia.
Dali ainda poderia seguir para
muitos lados, para mais um estabelecimento resistente, por exemplo. Poderia ir
ao snack bar “O Adro” da Estrela Bernardo que há-de sempre ser o bar do Sérgio (o
bar do seu marido, o meu querido e grande amigo que nos deixou cedo demais) e
beber um branquinho traçado, ou passar no meu Zé Manuel da pastelaria S. Marcos
para beber uma maravilhosa fresquinha das suas.
Mas a hora já era tardia e as minhas mulheres
esperavam-me para o almoço. Tive de regressar para o salmãozinho grelhado que
estava quase pronto
Entrei na minha sala e parecia
que tinha entrado no Silicon Valley ou no MIT! As duas pequenas agarradas aos computadores, como já vai sendo habitual. A Leonor no Toshiba que eu e a mãe lhe comprámos de prenda de anos e natal. A pequena Alice que já quer ser como os grandes, com o Magalhães da mana que sobreviveu mais que o Sócrates e renasceu enxertado com a bateria oferecida por cortesia dos queridos amigos Hernâni, Fernanda e Afonso Sarnadas.
Finalmente, lar doce lar. Ou com
tanta tecnologia, mais vale dizer home sweet home.
Já tinha fome. Mas tinha a barriga estava cheia. Cheia da vida da (agora) minha aldeia.
2 comentários:
Que bom !!!! que saudade... também !!!!
Ainda tenho muito presente os dias de mercado na Vila, é certo que era só em Agosto, mas dava gosto, as bancas cheias de produtores, muitos compradores, era mesmo muito animado. E a massa frita era obrigatória, o que o meu pai gostava daquilo.
Quanto à sua Beirã, era visita obrigatória a um primo de meu pai que trabalhava e vivia junto à linha de caminho de ferro. Tenho a certeza que ainda hoje conseguia dar com a casa. Lamento é o encerramento da linha, com todas as consequências negativas disso.
Um abraço
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